A SOMBRA DO MAL
A princípio, Otávio não gostara da ideia. O garoto era primo em terceiro grau. Que procurasse um parente mais próximo. A família já era grande, oito filhos e só ele trabalhava fora. Mas Olívia insistia, teimosa, argumentava, choramingava:
- Eu e Clara éramos muito amigas, desde meninas. Um dia juramos que cuidaríamos do filho mais velho da que morresse primeiro. Ela fez-me lembrar do juramento em suas últimas palavras. Por favor, Otávio, não me crie um problema de consciência, eu te imploro. Vamos buscar o Francisquinho, sim, não vamos? Sustentaremos mais um.
- Mas, Olívia, será muito difícil, já temos essa filharada toda para sustentar. Depois, nem conheço esse rapaz, assim como não lhe conheci os pais. Quantos anos ele tem?
- Só dezessete, o pobrezinho. Órfão de pai e mãe.
- Dezessete!? Meu Deus! Pensei que fosse no máximo dez! Com dezessete anos é homem feito, se arranjará sozinho. Eu tinha onze quando saí de casa e vivi muito bem.
Olívia acabou ganhando a questão, como sempre e Francisco veio para a casa deles já no dia seguinte.
Otávio não gostou do rapaz: “Um marmanjo metido a besta, com cara de mal-educado e preguiçoso. Não vai dar certo, estou pressentindo, isso vai acabar mal”.
No começo as coisas não mudaram muito, porém Olívia cercava o tal do Francisquinho de cuidados excessivos. Otávio fazia cara feia: “Dezessete anos! Vou arrumar-lhe um emprego”.
E assim o fez. Francisco seria auxiliar na obra onde ele trabalhava.
- Não quero ser pedreiro, rebateu Francisco, estouvado.
Outras oportunidades de empregos apareceram; todas igualmente rejeitadas. O rapaz não queria saber de trabalho e não houve jeito de convencê-lo a mudar de ideia. Ainda mais porque Olívia se arvorara em sua advogada de defesa.
- Droga! - Otávio perdeu a calma - Quem não trabalhar, de hoje em diante não vive nesta casa. Pode arrumar as malas. Quem não gostar, que saia junto.
Mas Francisco ficou.
Os carinhos da mulher cresciam para o infeliz e diminuíam para os filhos, ajuizava Otávio. Se chegava tarde em casa, ela não se importava mais. Antes, se atrasasse cinco minutos, fazia um escândalo. Uma noite até dormira fora, de propósito e a briga fora apenas uma coisinha à toa. Ela acreditara logo na primeira desculpa esfarrapada que dera.
Estava mudada, a Olívia. Se estava!
“Ela está me traindo”.
Pensamento débil, no começo, mas teimoso por fim, corroía as entranhas de Otávio, crescia, ganhava proporções gigantescas, virava ideia fixa e, pior: trágica. O homem transformou-se em espião. Chegava de imprevisto. E sempre via algo para agravar o crime que se perpetrava em sua própria casa, diante de seus filhos. E logo com quem, com aquele enjeitado dos quintos, que tiveram a má ideia de pôr para dentro de casa. Tiveram não, ela teve. Quem sabe de olho no marmanjo há tempos e a história do juramento não passava de uma farsa, só para encobrir a sem-vergonhice. Estava sendo enganado desde o começo. Fora uma trouxa, isso sim.
O ciúme maltratava Otávio de tal forma, que suas noites se transformaram em tormento. A última, como nenhuma outra, fora um inferno. Às cinco horas, enquanto a família ainda dormia, ele saiu para o trabalho. Às nove, o chefe o chamou, dizendo-lhe que fosse rápido para casa. Algo grave acontecera com alguém de sua família.
Quando chegou a casa, a polícia estava lá, aguardando-o. Olívia, porém, continuava na cama. Morta! Procedido exame de corpo de delito, constatou-se que a mulher morrera durante à noite, por asfixia.
Otávio foi preso.