OS DONOS DA CASA
Há cinco meses, Augusto vem sendo bombardeado com propostas de compra do casarão da rua 7. Durante a semana em curso, o proprietário de uma grande rede de supermercados, seu amigo, de olho no local, por se tratar de um ponto estratégico, tem insistido, obstinadamente, com um valor que se poderia chamar de irrecusável.
Mas Augusto resiste.
Não, porque aquele local esteja impregnado de suas mais caras lembranças de infância, adolescência e juventude. Nem porque foi naquela casa que seus pais viveram os últimos sessenta anos, desde que se casaram. Não é um saudosista clássico. Não se prende ao passado. As razões são outras, inusitadas, pode-se dizer.
- Quais, por exemplo? Tu és o único herdeiro, empresário bem-sucedido, não necessitas daquele espaço, que eu sei. Teus pais já não estão mais aqui. Que razões tão fortes são essas, que nos impedem de negociar? Ninguém jamais te fará uma oferta como a minha.
- A casa ainda não me pertence, de fato. Os verdadeiros proprietários vivem lá. Por isso não posso vender - respondeu Augusto.
- Uma senhora idosa é quem vive na casa, sozinha. Me disseram que ela era a empregada de seus pais. Não estou entendendo.
- Aquela senhora é Rosa Maria e continua empregada. Agora, de Belinha e Kiko. Se desejares, irei até lá contigo, para que os conheças.
- De certo. Falarei com eles.
Ricardo não poderia ter imaginado, nem em seus mais remotos sonhos, que os tais proprietários fossem quem ele encontrou.
- Não é possível! – reagiu, pasmado - Dois minúsculos cachorrinhos poodle!? Duas bolinhas de neve, os donos da residência?
- Pois é. São os cachorrinhos de estimação de meus pais. Quando minha mãe faleceu, eles adoeceram seriamente, entraram em depressão profunda. Quase morreram de tristeza. Aos poucos, porém, na relação com meu pai, foram transferindo para ele todo o carinho e afeto que dedicavam a sua falecida dona. Dessa forma, se restabeleceram completamente e se transformaram na sombra de meu pai. Não o largavam de jeito nenhum. Onde quer que ele fosse, os dois o acompanhavam e faziam a maior estardalhaço, caso alguém tentasse impedi-los.
Meu pai não perdia noticiários na tv. Jornal do meio dia e das 20h, eram sagrados. Belinha e Kiko aprenderam a sentar no sofá, com ele. Kiko sempre ao lado esquerdo e Belinha ao direito. Todos os dias, invariavelmente, era assim. Ficavam ali, quietinhos, assistindo até o final. À noite, não descolavam de seu dono. Um dormia sobre um tapete, em um lado da cama e o outro, no outro tapete, do outro lado.
Meu pai faleceu há cinco meses e os dois ainda sofrem o novo impacto da segunda e definitiva separação. Presos às lembranças, repetem os hábitos compartilhados com seu amigo. Tudo o que os três faziam juntos, os dois agora reproduzem, calados e tristes. À hora dos noticiários, eles sentam em seus lugares habituais, cuidando para que o intervalo entre ambos permaneça exatamente como antes, como se o amigo estivesse ali. Ou, quem sabe, esperam que ele chegue, de repente e tome seu lugar. E assistem o jornal até o fim. À noite, cada um no seu tapete.
Essa é a razão pela qual decidi não vender o casarão e mantê-lo nas mesmas condições de antes, sem alterar nada. Rosa Maria é a nova companheira dos pequeninos poodles e com eles ficará enquanto viverem. Nesse ritmo, chegará o dia em que terão se apegado a ela o suficiente e, por conseguinte, esquecido de seus antigos costumes.
Até lá, eles serão os verdadeiros donos da casa.
Depois, a venderei.