O encontro com o caminho do ser: o que está dentro de nós

Um abraço obscuro não se espera

Abraço de iluminar juízos

Uma luz subterrânea

Invisível

Para não se perder

Para se encontrar na penumbra

Um abraço por acidente que parta o medo

Fundir-se até desaparecer nos olhos

Ao longo dos dias e dos anos

Que nos transforme em pessoas

Capazes de amar

Voltar antes de respirar a dor da noite

Todos os dias

Todas as sombras

Ou a vida que te reste

(Buceo Invisible – Álbum 'Música para Niños Tristes’)

Por Leont Etiel

Mesmo sabendo que ‘suave é a noite’, Ravi Sharma tinha presente que ‘o sol também se levanta’. Após dias e dias em que a sua casa era a estrada, aflorava-lhe a consciência que, com o amanhecer que se avizinhava, era chegado o momento de, pelo menos por algum tempo, parar um pouco.

Entremeava, por assim dizer, sono com conjecturas. Quando o dia estivesse a se levantar, de imediato, iria à portaria do hotel e acertaria as contas da hospedagem. Partiria sem o desjejum matinal, para logo apanhar os sopros de vento do alvorecer. Foi o que sucedeu.

A caminhar estrada a fora, decidiu que, no momento em que se deparasse com uma bifurcação em três vias, tomaria o seu destino. Quando isso ocorresse, lançaria mão, como critério para decidir o caminho a seguir, o que lhe chamasse a atenção pelo enigma do horizonte que por ele se avistava, considerando que cada um traz em si, de mais ou de menos, algo de segredo que se revelado fosse seria como desnudar a alma, mas como isso não ocorre, ou não é para ocorrer, permanece tudo lá no cerne que habita como parte constituinte da identidade da pessoa habitada, que, em momentos de solitária distração, apenas rir, de leve, quando vem a lume a lembrança do que lá, no cerne, está guardado.

Ao chegar à bifurcação esperada, e com o critério de decisão que havia definido em mente, a escolha foi rápida. Margeou pela via que se apresentava à sua esquerda, avistou ao longe, num raio de distância média, um pequeno aglomerado que ora se anunciava como casas, ora como pequenos estabelecimentos comerciais, ora como uma fazenda, numa dessas ilusões de ótica, e também de pensamento, que muitas vezes fazem as pessoas verem coisas onde elas não existem, mas que, por elas serem vistas sem serem reais, passam a existir como “fantasmas” provocando desassossego.

Aproximando-se do aglomerado, que eram algumas poucas casas, notou que todas elas estavam fechadas e que o contacto com o exterior dava-se apenas por pequenas frestas das janelas. Apercebeu-se do grande silêncio que ali se fazia. Só interrompido pelo ressoar do movimento do vento, mas este, sobretudo quando no noturno, é cúmplice do silêncio, e ambos dão vazão às universais correntes telúricas do segredo.

Afigurou-se então no pensamento de Ravi Sharma a clarividência de uma decisão: ali ficar. Algo como a atração de um encontro que é despertado em uma estrada. Pensando assim, fez descer das costas a mochila com os seus poucos pertences e dirigiu-se à sombra de uma árvore. Foi quando a fresta de uma das janelas das casas, atrás de si, se ampliou, fazendo um leve barulho. Ravi virou-se a observar, e um idoso senhor lhe acenou. Ele correspondeu ao aceno e disse: ‘Do que precisamos mesmo, é andar, desviar caminhos, refazê-los, para chegarmos ao que está dentro de nós’.