A Lâmina
A Lâmina
Noite aprazível e amena a do dia dezessete de outubro de um mil novecentos e noventa e sete. Carlos Alberto Troiano não passa de um adolescente de dezesseis anos.
Troiano está cansado. Mas, não adormece.
O vento dardeja-lhe a face feito uma saraivada de balas.
Seus pais não se encontram em casa. Certo parece que lhes custará o regresso a vida.
Troiano está só. Não tem irmãos à volta ou à vista de si.
Troiano sai da alcova. Dirige-se à sala.
Troiano se serve das chaves que vê repousadas sobre a estante, ao lado do cinzeiro. Abre a porta, o portão e foge.
Troiano é agora um homem livre. Ganha as ruas como quem ganha tentos num jogo de cartas. Faz vítimas como quem faz castelos na areia da praia.
Passam-se dias. Troiano sente-se hora satisfeito.
Ele, que outrora mendigara amores às mulheres de sua classe na escola, agora as tinha e mantinha presas a si. Quedas, inteiras, servis, amáveis.
Elas lhe obedeciam desesperada e cegamente. Tremiam-lhe nas mãos. Calavam-se se Troiano as mandasse calar. Ofegavam se ele as mandasse ofegar.
Troiano as consumia com rapidez e, após consumi-las, as abatia.
Despidas do corpo, elas, em sonho, vinham rossar-lhe a face e oscular-lhe os lábios.
Troiano jamais confiara que algo pudesse o velho canivete que roubara do pai quando tinha dez anos de idade. Todavia, tudo devia a ele.
“Santo canivete!” – murmurava.
Acostumada a penetrar as mais tenras carnes, um dia, precisou a lâmina do canivete de Troiano sangrar um homem com quem, na véspera, Troiano e o canivete haviam brigado sem maiores motivos. Contudo, Troiano gostava dos homens. Nunca lhe haviam feito nada os tais.
Eram as mulheres a causa de seu perpétuo infortúnio. Era delas que necessitava vingar-se.
Troiano estava decidido. Iria à casa do homem e lhe pediria desculpas, resolvendo assim a embaraçosa situação.
No caminho, porém, sentiu-se sangrar por uma lâmina desconhecida.
Seguiu. Entretanto, não agüentou.
Caiu. Tombou.
Agonizou. Morreu.
Só depois de morto é que ele foi perceber que a lâmina que o ferira fora a do seu próprio canivete.
“Santo canivete!” – murmurou.
Hebane Lucácius