A Realidade da Ficção
A SOLIDÃO confusa de Dário efervescia sua mente e todo seu ser novamente. Nessa viagem toda, sua mente voltou aos tempos de palco. Ao teatro.
Era dia de estreia.Podia reconhecer com facilidade um dia daqueles, sem temer estar errado. Uma estreia! Como era emocionante... Tudo era expectativa, emoção, alegria!
O teatro atuara muito em sua vida. Uma afinidade profissional, uma diversão, uma porta para tudo o que lhe acontecia. Onde aprendera a escrever e, o mais importante, onde aprendera a aprender. Tudo apresentado com a devida importância. A representação, as luzes, as cortinas, os textos, as emoções, os aplausos calorosos da plateia. Tudo aquilo lhe inspirava, fazia bem a sua mente e sua alma. Pessoas determinadas, reunidas por um mesmo propósito. Vivia ele novamente toda aquela experiência, ali, ao seu lado, a sua frente; como se estivesse num cinema, frente a tela, ou mesmo num teatro, antes de abrirem as portas, antes de fecharem o pano.
Lá estava Carmella. Agitada, ela andava de um lado pra outro, dava ordens, pedia, executava, conversava, levava a mão a testa numa preocupação, e os olhos brilhavam juntamente com um sorriso numa ideia de solução. Os atores e as atrizes, nervosos, tensos, maquiavam-se, conversavam, arrumavam os adereços. O rapaz do som fazia os últimos testes enquanto descontraía a todos (ou pelo menos tentava). As luzes também eram afinadas, os bastidores preparados.
Lá estava Carmella agora fazendo aquecimento vocal com todos e dando-lhes alguns lembretes. Alguém descia as escadas laterais, empolgado, dizendo que a frente do teatro começava a ficar cheia; as pessoas estavam vindo e, na certa, preencheriam os duzentos e oitenta lugares. Lá em cima, cartazes, uma senhora que preparava os programas que eram distribuídos na entrada. Alguns conhecidos mandavam dizer que haviam chegado, ou simplesmente faziam-se visíveis. Tocava o telefone. Era alguém pra desejar merda – a versão de boa sorte para os artistas de teatro.
Hora do ensaio geral.
Dário percebia que tudo lhe parecera um amontoado de cenas lançadas a sua frente, as quais quem (ou o quê) lançou não se importou muito com a ordem cronológica. Afinal, as pessoas geralmente ainda não haviam chegado durante o ensaio geral.
Parecia-lhe muito estranho o aparecimento dos flashes de consciência em meio aquela loucura. Mas que importava? Pensava. Ninguém mais estava ali e, ninguém precisaria saber o que ele supostamente via. Mesmo porque, ninguém acreditaria mesmo. Estava à vontade, entregue. Não se importava agora com visões, com os “hologramas”, nem tentava escapar mais também, dizer não. Ao contrário, procurava adaptar-se e aceitar, sem procurar entender nada, apenas aceitar mesmo, entrar no jogo. Uma maneira que encontrou de não permitir que sua “loucura” se superasse; a tranquilidade – acreditava mesmo – lhe ajudaria a conviver com a normalidade de sua anormalidade.
Findo o ensaio geral, notou algo que o surpreendeu – ele, que não acreditava mais em surpresas -: era a sua peça que estava sendo representada! Como não notara antes? As vestes, os ensaios, as falas que ele escreveu, as cenas... Sim, era ela! Falando “nela”, lá estava “ela”, pronta para o espetáculo. Embora ele a visse como o seu maior espetáculo (seu?). Não era nada ainda... Surpreendido mesmo ficou quando se viu entre o elenco. Mas era óbvio! Se ele também estava lá naquela noite magistral! Foi quando, então, pela primeira vez resolveu tentar uma façanha em sua sandice. Afinal, se ele – pensou – aceitava tudo o que o seu subconsciente lhe mandava, este também haveria de receber bem a um pedido. E por que não? Lançou. Fechou os olhos e determinou que nem ele nem sua amada viveriam os papéis que viveram naquela peça, mas sim atuariam diretamente juntos. Mais feliz que surpreso ficou quando abriu os olhos e percebeu que sua vontade fora feita. Enfim, viveriam ali, juntos, uma história de Amor; ainda que teatral, ainda que apenas mentalmente ou espiritualmente (ou os dois), mas viveriam. Ajeitou-se em sua cadeira, a sua escrivaninha e permaneceu atento como um verdadeiro espectador. O primeiro espectador.
- Banheiro, alguém? Era a voz da diretora que gritava a todos.
Alguns “nãos” se fizeram audíveis. Ela concluiu:
- Muito bem, vou abrir as portas. E novamente, merda para todos.
E subiu as escadas para abrir as portas do teatro, como ela mesma sempre fazia.
Lugar privilegiado tinha Dário, ali, em seu velho cantinho. Veria certamente a agitação por todos os ângulos (o que o público via e o que não via), sentiria todas as emoções, dos atores e da plateia, afinal de contas ficara entre bastidores e palco. Sentia-se mesmo o personagem principal de A Rosa Púrpura do Cairo. Porém, ao contrário do jovem explorador, aventureiro e arqueólogo de Wood Allen – que foge da tela do cinema – ele queria era invadir o palco, como se não o satisfizesse ver-se no meio do espetáculo, entre os seus colegas e perto dela. Perto dela.
Enfim, o espetáculo teria então início. Procurou controlar sua emoção o máximo que pôde e, inspirado na plateia – animada e, de fato, lotada -, recompôs-se em seu “camarote especial”. Carmella subiu ao palco e deu as boas vindas à plateia, num breve pronunciamento sobre o grupo e o espetáculo, que tratava do mundo circense, outra paixão que a consumia. E ao finalizar a sua fala com o título do espetáculo, A Arena das Sebastianas, a escuridão cobriu o palco, e os aplausos foram abafados pela voz na gravação. Gravação que, aliás, já fazia parte do espetáculo.
A SOLIDÃO confusa de Dário efervescia sua mente e todo seu ser novamente. Nessa viagem toda, sua mente voltou aos tempos de palco. Ao teatro.
Era dia de estreia.Podia reconhecer com facilidade um dia daqueles, sem temer estar errado. Uma estreia! Como era emocionante... Tudo era expectativa, emoção, alegria!
O teatro atuara muito em sua vida. Uma afinidade profissional, uma diversão, uma porta para tudo o que lhe acontecia. Onde aprendera a escrever e, o mais importante, onde aprendera a aprender. Tudo apresentado com a devida importância. A representação, as luzes, as cortinas, os textos, as emoções, os aplausos calorosos da plateia. Tudo aquilo lhe inspirava, fazia bem a sua mente e sua alma. Pessoas determinadas, reunidas por um mesmo propósito. Vivia ele novamente toda aquela experiência, ali, ao seu lado, a sua frente; como se estivesse num cinema, frente a tela, ou mesmo num teatro, antes de abrirem as portas, antes de fecharem o pano.
Lá estava Carmella. Agitada, ela andava de um lado pra outro, dava ordens, pedia, executava, conversava, levava a mão a testa numa preocupação, e os olhos brilhavam juntamente com um sorriso numa ideia de solução. Os atores e as atrizes, nervosos, tensos, maquiavam-se, conversavam, arrumavam os adereços. O rapaz do som fazia os últimos testes enquanto descontraía a todos (ou pelo menos tentava). As luzes também eram afinadas, os bastidores preparados.
Lá estava Carmella agora fazendo aquecimento vocal com todos e dando-lhes alguns lembretes. Alguém descia as escadas laterais, empolgado, dizendo que a frente do teatro começava a ficar cheia; as pessoas estavam vindo e, na certa, preencheriam os duzentos e oitenta lugares. Lá em cima, cartazes, uma senhora que preparava os programas que eram distribuídos na entrada. Alguns conhecidos mandavam dizer que haviam chegado, ou simplesmente faziam-se visíveis. Tocava o telefone. Era alguém pra desejar merda – a versão de boa sorte para os artistas de teatro.
Hora do ensaio geral.
Dário percebia que tudo lhe parecera um amontoado de cenas lançadas a sua frente, as quais quem (ou o quê) lançou não se importou muito com a ordem cronológica. Afinal, as pessoas geralmente ainda não haviam chegado durante o ensaio geral.
Parecia-lhe muito estranho o aparecimento dos flashes de consciência em meio aquela loucura. Mas que importava? Pensava. Ninguém mais estava ali e, ninguém precisaria saber o que ele supostamente via. Mesmo porque, ninguém acreditaria mesmo. Estava à vontade, entregue. Não se importava agora com visões, com os “hologramas”, nem tentava escapar mais também, dizer não. Ao contrário, procurava adaptar-se e aceitar, sem procurar entender nada, apenas aceitar mesmo, entrar no jogo. Uma maneira que encontrou de não permitir que sua “loucura” se superasse; a tranquilidade – acreditava mesmo – lhe ajudaria a conviver com a normalidade de sua anormalidade.
Findo o ensaio geral, notou algo que o surpreendeu – ele, que não acreditava mais em surpresas -: era a sua peça que estava sendo representada! Como não notara antes? As vestes, os ensaios, as falas que ele escreveu, as cenas... Sim, era ela! Falando “nela”, lá estava “ela”, pronta para o espetáculo. Embora ele a visse como o seu maior espetáculo (seu?). Não era nada ainda... Surpreendido mesmo ficou quando se viu entre o elenco. Mas era óbvio! Se ele também estava lá naquela noite magistral! Foi quando, então, pela primeira vez resolveu tentar uma façanha em sua sandice. Afinal, se ele – pensou – aceitava tudo o que o seu subconsciente lhe mandava, este também haveria de receber bem a um pedido. E por que não? Lançou. Fechou os olhos e determinou que nem ele nem sua amada viveriam os papéis que viveram naquela peça, mas sim atuariam diretamente juntos. Mais feliz que surpreso ficou quando abriu os olhos e percebeu que sua vontade fora feita. Enfim, viveriam ali, juntos, uma história de Amor; ainda que teatral, ainda que apenas mentalmente ou espiritualmente (ou os dois), mas viveriam. Ajeitou-se em sua cadeira, a sua escrivaninha e permaneceu atento como um verdadeiro espectador. O primeiro espectador.
- Banheiro, alguém? Era a voz da diretora que gritava a todos.
Alguns “nãos” se fizeram audíveis. Ela concluiu:
- Muito bem, vou abrir as portas. E novamente, merda para todos.
E subiu as escadas para abrir as portas do teatro, como ela mesma sempre fazia.
Lugar privilegiado tinha Dário, ali, em seu velho cantinho. Veria certamente a agitação por todos os ângulos (o que o público via e o que não via), sentiria todas as emoções, dos atores e da plateia, afinal de contas ficara entre bastidores e palco. Sentia-se mesmo o personagem principal de A Rosa Púrpura do Cairo. Porém, ao contrário do jovem explorador, aventureiro e arqueólogo de Wood Allen – que foge da tela do cinema – ele queria era invadir o palco, como se não o satisfizesse ver-se no meio do espetáculo, entre os seus colegas e perto dela. Perto dela.
Enfim, o espetáculo teria então início. Procurou controlar sua emoção o máximo que pôde e, inspirado na plateia – animada e, de fato, lotada -, recompôs-se em seu “camarote especial”. Carmella subiu ao palco e deu as boas vindas à plateia, num breve pronunciamento sobre o grupo e o espetáculo, que tratava do mundo circense, outra paixão que a consumia. E ao finalizar a sua fala com o título do espetáculo, A Arena das Sebastianas, a escuridão cobriu o palco, e os aplausos foram abafados pela voz na gravação. Gravação que, aliás, já fazia parte do espetáculo.