A FELICIDADE É RELATIVA

Meu nome é Pedro, tenho dez anos e moro aqui mesmo, em baixo deste viaduto.

Pai e mãe, acho que tive, né, todo mundo tem. Mas não conheci nenhum dos dois.

Desde que me lembro, morei com minha vó Benta, numa casinha bem pequena, na favela da via expressa. Minha vó tinha oitenta anos e era muito doente. Passávamos muita fome. Éramos só nós dois no mundo e eu, criança, ainda, não prestava para trabalhar, nem para pedir esmola. Se algum vizinho dava uns restos de comida, a gente comia, se ninguém dava nada, a gente não comia.

Vó Benta nunca falou de nenhum parente. Ninguém nos visitava.

Um dia, minha vó não acordou. Eu chamei, chamei, mas ela não acordou. Então, comecei a chorar. Uma vizinha, dona Joana, veio e disse que minha vó esta morta. Chorei tanto, que quase morri.

Não sei o que fizeram com vó Benta, onde enterraram ela, porque saí de casa na mesma hora. Vim pra rua. Dormi na calçada, na primeira noite. No outro dia, comi algumas frutas que encontrei no lixo do mercado público. Andei o dia todo, na rua, pra lá e pra cá, só pensando o que é que eu vou fazer, agora? O que é que vai ser de mim? Aonde é que vou morar? Fui andando, andando, pensando na vó Benta e chorando, até que encontrei este lugar. Já tinha outras pessoas morando aqui, mas elas não se importaram que eu ficasse. Acho que até gostaram de mim.

Neste tipo de vida não tem novidade. De dia, fico caminhando à toa, por aí, sem saber o que fazer. Peço um dinheirinho aqui, outro ali. Tem gente que dá, tem gente que não dá e ainda me xinga. Às vezes como, às vezes não como e nem acho assim tão ruim, porque já estava acostumado, mesmo.

Roubar? Não! De jeito nenhum! Acho que posso até morrer com a barriga roncando de fome, mas roubar, nunca. Não sou ladrão. Minha vó Benta me ensinou a ser honesto, sempre.

Sei que tenho dez anos, porque me lembro bem que tinha seis, quando minha vozinha morreu e eu saí, desesperado e sem rumo, e já estou aqui há quatro.

Algum dia, quando crescer, vou ter uma casa e uma família? É mais certo que não. Nem penso nisso.

Medo? Da morte, de espírito, de relâmpago. Quando chove forte, com trovoada e raio, parecendo até que o mundo vai acabar, fico com muito medo, me encolho, aqui no canto e sinto uma falta grande da vó Benta.

Se sou feliz? Sei lá. Me diga como é, ser feliz, por que eu não sei. Vivo do mesmo jeito que meus amigos, aqui. Reclamar do quê?

Assim vou indo, junto com o tempo; talvez, para lugar nenhum.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 13/05/2018
Reeditado em 06/06/2018
Código do texto: T6335522
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