Sentido – Donzela do Gelo

Sentido

O vestido rodado contrastava com as luzes que atravessavam as cortinas de cetim barato. Estavam repicadas pelo tempo e por tudo que se temia. Olhando assim de lado, no lusco-fusco daquele ambiente que se dividia em sonhos encomendados, a silhueta desajeitada descansava desbotada em tons de marfim. Não pense que era covardia, mas sim, timidez, uma mistura de pedidos desmedidos, exaustão e sorrisos largos.

Os saltos de carmim e as roupas lustrosas dançavam diante de seus olhos, nenhuma brisa, nenhuma chuva, nem à noite, tão pouco a luz do dia. Não havia respiração, não havia raciocínio. Nada era lógico para quem vivia no inferno do fogo, na luz da noite. Mas em tudo que ouvia, era como se fosse um crime sem defesa, uma alma perdida. Um sustento perdido no tempo, no fundo do seu olho. Cirandava vestida de princesa, uma coroa de hortaliças e um cetro que não continha magia. No tempo de um abraço sempre era outra pessoa, todos os dias se modificava e se mortificava.

Nalgum lugar, no passado, no futuro então, haveria alguém melhor que ela, algo mais colorido e vivo do que ela almejava ser. Tudo tão passional quanto à inércia de seu próprio corpo fotografado com seu copo preferido na mão. O mundo naquele momento girava em torno dela, uma forma inédita para ela. Era a revolução de todos os seus sentidos, de todos os seus desejos. Seu olhar estava preso em passos pequenos, em vestígios de imensa solidão e até certa dose de ironia.

Sua presença ali era doce e terna, um relance do cansaço da noite refletindo no calor da falta de um abraço. Um mergulho num mar impuro, um vinho acima da temperatura, um banho num chuveiro úmido. Seus traços agora pensados no esfumaçado espelho, eram de desespero.

Cabelos molhados, à noite, e um suspiro desajeitado, uma voz que não fazia efeito, uma espera de si mesma. Nada exorcizava o que sofreu. Sozinha no quarto a fraqueza era querer usar o azul do céu na cor do seu vestido. Mas aquele baile exibicionista iria começar mais uma vez, por isso não podia. Contudo a vida fluía em seus poros, talvez sem timidez, mas banhada numa certa covardia. Em palavras, nos seus olhos buscava as

estrelas, pois só sabia ser feliz assim.

Donzela do Gelo
Enviado por Donzela do Gelo em 27/03/2018
Reeditado em 27/03/2018
Código do texto: T6292411
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