Amor A Mão Armada

Amor A Mão Armada

Dos inúmeros matadores que costumavam atuar no sertão do Cariri em meados do século passado, o mais célebre era, sem sombra de dúvida, o distinto senhor José Valdomiro Mendes de Sousa. Miro, para os íntimos. Não exatamente dele, mas, da morte. Entidade que, constantemente, ele parecia personificar.

Tão importante quanto justo é salientar que a fama de Miro não advinha do fato de ser ele um grande pistoleiro. Afinal, todo pistoleiro nordestino que se preza é bom no gatilho.

O que mais chamava a atenção em Miro era o modo como ele abordava seus alvos.

Fossem homens ou mulheres, ele, literalmente, os seduzia.

Envolvia-os até que, entre vítima e algoz, se estabelecesse intimidade suficiente à tecitura de um caso amoroso.

Os casos protagonizados por Miro costumavam culminar com tórridas noites de Amor, após as quais, o matador fazia questão de oferecer à vítima um saboroso café-da-manhã

Findo o café, Miro empreendia o máximo de sua astúcia a fim de criar uma situação que lhe permitisse olhar no fundo dos olhos de seu alvo. Objetivo que nunca deixava de alcançar.

Depois de observar demoradamente as enbevecidas órbitas oculares daquele ou daquela a quem acabaria por assassinar, à meia-voz, Miro recomendava:

“Nunca se esqueça do Miro! Aquele que te deu um tiro!”

Bastava que a palavra “tiro” fosse pronunciada para que o pistoleiro não hesitasse em disparar contra o(a) amante da noite anterior uma saraivada de balas.

No dia seguinte, lá estava ele ou ela de mudança definitiva para uma rua no cemitério.

Tantas foram as mortes atribuídas a Miro que, não foi necessário muito tempo para que seus feitos e, principalmente, o recurso de que ele se utilizava para realizá-los se tornassem conhecidos em todo o Cariri.

A fama de ardiloso e o rótulo de imbatível fizeram de Miro o mais requisitado pistoleiro da região.

Jamais lhe faltavam pessoas dispostas a pagar pelos seus serviços o preço que ele quisesse cobrar.

Entre os matadores de sua época, Miro era o único que se podia dar o luxo de afirmar que sempre tinha, à sua espera, uma fila de clientes fiéis.

Certa feita, contudo, ao completar três décadas e meia integralmente dedicadas ao ramo da pistolagem, Miro decidiu aposentar-se.

Foi nesse tempo que conheceu o grande Amor da sua vida. Uma bela mulata que atendia pelo vistoso nome de Cícera Assunção.

Três dias após terem sido apresentados um ao outro, os dois começaram um namoro. Um breve namoro que não chegaria a casamento.

Explica-se:

No dia em que Cícera e Miro comemorariam um mês de relacionamento, ela o convidou para ir até a sua casa.

Cconforme se poderia esperar de um homem apaixonadamente seduzido, ele, naturalmente, aceitou-lhe o convite.

Lá, os dois viveram uma tórrida noite de Amor, ao fim da qual, Cícera fez questão de oferecer a Miro um saboroso café-da-manhã.

Miro saboreou o café-da-manhã servido pela amada como se fosse aquela a última refeição de sua vida. Entretanto, havia duas coisas que o célebre pistoleiro não sabia.

A primeira era que, durante trinta e cinco anos, Cícera e ele haviam partilhado o mesmo ofício.

A segunda era que aquele café-da-manhã seria, de fato, sua última refeição.

Cícera observou, profunda e demoradamente, as embevecidas órbitas oculares de miro e, à meia-voz, lhe recomendou:

“Nunca se esqueça da Assunção! Aquela que te deu uma lição!”

Um disparo único e certeiro bem no meio da fronte. Eis o que se ouviu imediatamente após a fala de Cícera.

Naquele mesmo instante, Miro embarcou, em mudança definitiva, para uma rua no cemitério.

Morria assim o lendário matador José Valdomiro Mendes de Sousa.

Morte por Amor a mão armada.

Hebane Lucácius