O Nome Do Pai
O Nome Do Pai
Tudo começou quando eu tinha oito anos.
Vinha em regresso da escola, quando avistei, centado num dos bancos da praça principal da cidade, um senhor.
Algo naquele senhor atraiu a minha atenção, o que me fez interromper o meu trajeto e, mansamente, me centar ao seu lado.
O senhor, tendo notado a minha presença, indagou-me:
“O que faz aqui, mocinha?”
Fiquei sem jeito de lhe dizer que estava lá somente para admirá-lo. Porque algo nele tinha chamado a minha atenção. E lhe respondi a pergunta com um sorriso.
Depois de um instante de silêncio, questionei-lhe acerca de onde morava e do que fazia ali na praça.
Ele, sem qualquer demonstração de acanhamento, me respondeu:
“Moro aqui, mocinha! É aqui que gasto os meus dias e passo as minhas noites!”
Em seguida, o interroguei sobre o seu nome e, eis o que ele me respondeu:
“Tenho o nome que a mocinha quiser que eu tenha!”
As respostas proferidas por aquele senhor me puseram em estado de parafuso.
Não entendia como podia um homem não ter nome e morar num banco de praça.
Achei que ele tinha cara de Alberto. Por isso, daquele dia em diante, passei a chamá-lo “Tio Alberto”.
Tio Alberto era um homem realmente cativante. No entanto, no dia em que nos conhecemos, não pude conversar muito com ele.
Tinha de chegar logo em casa, se não, minha mãe ficaria bastante preocupada comigo e me proibiria de voltar sozinha da escola. Fato que me impediria de ver novamente o Tio Alberto, de quem me despedi rapidamente naquele dia.
No dia seguinte, na escola, contei à Flaviana, minha melhor amiga, a respeito do Tio Alberto.
Ela, curiosa, como sempre foi, quis depressa visitá-lo.
Felizmente, naquele dia, a sorte nos veio sorrir.
Renata, a Professora de Ciências, pediu que realizássemos, como tarefa de casa, uma pesquisa sobre a falna e a flora da Mata Atlântica.
Costumávamos fazer nossas pesquisas na Biblioteca Municipal Tobias Gonzaga, que ficava na mesma praça que servia de endereço ao Tio Alberto.
Desta forma, não nos seria difícil visitá-lo depois que terminássemos a pesquisa. E foi justamente isso o que fizemos.
Tio Alberto nos recebeu com um radiante sorriso estampado em seu rosto, elogiou-nos a beleza e nos perguntou de onde vínhamos.
Dissemos a ele que estávamos vindo da biblioteca, que havíamos passado ali apenas para vêlo e que precisávamos ir, pois nossas mães estavam à nossa espera.
Ele, então, se despediu de cada uma de nós com um abraço, um beijo na fronte e um aceno de “Até Breve!”.
Os dias se iam passando e, à medida que transcorriam, íamos criando desculpas, pretextos e situações que nos permitissem ir diariamente a encontro do Tio Alberto.
Um dia, resolvi pedir ao Tio Alberto que me ajudasse em uma redação escolar. Minha mãe, porém, não podia saber. Sendo assim, esperei que ela se ausentasse e parti rumo à praça.
A Professora nos havia ordenado que escrevêssemos uma narrativa em tema livre. Eu não sabia como começá-la.
Achei que o Tio Alberto poderia ajudar-me e foi o que, de fato, ele fez.
Encontrei-o no mesmo lugar de sempre, expliquei-lhe a situação que a ele me conduzia, entreguei-lhe a folha com o enunciado da redação e, suplicante, lhe pedi auxílio.
Ele examinou cuidadosamente o pedaço de papel e, antes de responder se me ajudaria ou não, dirigiu-me a seguinte pergunta:
“O que faz a mocinha pensar que eu, um pobre morador de praça, posso ajudá-la nessa tarefa tão complexa?”
“Minha intuição! – respondi.
“Tudo bem! – falou-me ele. – Vou ajudá-la! Mas, é só porque sei que não se pode contrariar a tal “Intuição Feminina”! Você bem que poderia ter pedido auxílio à sua mãe! Agora, se ela souber que eu existo, que costumamos nos encontrar e que, às vezes, eu te ajudo nos deveres escolares de casa, ela vai dar uma tremenda bronca! E não será em mim! Será em você! E eu não poderei fazer nada em sua defeza!”
Não foi preciso esperar muito tempo até que ele apanhasse um lápis que trazia no bolso, começasse a escrever e, após tecer sobre o papel cinco linhas muito bem tecidas, me devolvesse a folha, dizendo:
“Pronto! Aqui tem um bom começo! Se seguir a trilha dele, terá escrito uma boa história!”
Li com atenção o conteúdo que acabava de ser escrito pelo Tio Alberto. E, qual não foi o meu espanto, quando me dei conta de que o estilo das frases era bastante parecido com o das que compunham as histórias do meu escritor favorito, o Hernane Nunes?
Não pude conter minha curiosidade e lhe indaguei:
“Então, o senhor também é fan do Hernane Nunes?”
Ele, em princípio, devolveu-me a pergunta, dizendo:
“Por que é que a mocinha está me perguntando isto?”
“É porque gosto muito das histórias do Hernane Nunes e achei a sua escrita muito parecida com a dele! – respondi.
Depois, em resposta à indagação que, há pouco, eu lhe fizera, ele me falou nos seguintes termos:
“Não sou, exatamente, um fan do Hernane Nunes. Apenas, o conheci na juventude, quando ele começava a escrever suas primeiras histórias, e jamais imaginei encontrar alguém que confessasse admiração pelo seu estilo.
Aquelas palavras do Tio Alberto me deixaram bastante confusa. Para mim, parecia impossível que houvesse, em todas as faces da Terra, alguém que pudesse não admirar as histórias escritas por Hernane Nunes.
“Minha mãe tem todos os livros do Hernane Nunes. Todos eles me agradam. O primeiro que li foi O Segredo De Luciana, que, ainda hoje, é o meu livro favorito. Afinal, Luciana é o nome da minha mãe.” – disse eu ao tio Alberto, na tentativa de lhe explicar a paixão que eu sentia pelo estilo de Hernane Nunes e por toda a sua obra.
Ele ficou silencioso e com cara de pensativo. Mas, quando parecia estar prestes a dizer-me alguma coisa, minha mãe passou por nós e nos flagrou.
Naquele momento, senti meu coração congelar. Sabia que não adiantaria nada fugir.
Cedo ou tarde, teria de lhe narrar o modo como conheci o Tio Alberto e admitir que já nos vínhamos encontrando há um bom tempo.
Minha mãe aproximou-se de nós a passos lentos e me disse:
“Então é isso que, na verdade, você e a Flaviana vêm fazer todos os dias aqui na praça quando dizem a mim e à vânia que vão à biblioteca? Ver este homem? Vocês não veem que ele pode ser um pedófilo? Vamos já para casa e lá conversaremos melhor!”
“O que é isso, Luly? – atalhou Tio Alberto. – É assim que se educa uma criança de oito anos? Ensinando-a a discriminar seus semelhantes?”
As coisas que Tio Alberto acabara de dizer fizeram um estranho efeito em minha mãe. Sua expressão, outrora irritada e nervosa, deu lugar a um ar saudoso e emocionado, o qual se traduziu nas seguintes palavras:
“Você me chamou de Luly! Só uma pessoa no mundo me chamava de Luly! Era o Hernane! Hernane? É você?”
“Sim. Sou eu, Luly. – respondeu Tio Alberto, visivelmente comovido.
Os dois, então, se abraçaram ternamente. Depois, me envolveram em seu abraço.
Foi exatamente naquele instante que tudo me foi revelado.
Tio Alberto era, em realidade, Hernane Nunes. Ele e minha mãe tinham vivido alguma coisa muito especial. E, provavelmente, esta coisa muito especial tinha resultado em mim.
Nunca pude compreender o que teria levado meu pai a esconder de mim a sua identidade. Nem que razão o teria feito escolher como moradia um modesto banco de praça.
Apenas consigo entender que sou a felizarda filha de Luciana Brandão e Hernane Nunes, hoje casados e também pais do meu irmãozinho Henrique Brandão Nunes.
Áh! Já ia me esquecendo de dizer! A redação que escrevi em parceria com meu pai foi eleita a melhor em um concurso nacional. Fato que já me faz pensar em seguir os luminosos passos do renomado escritor Hernane Nunes.
Hebane Lucácius