Os riozinhos de agua fria de Jana
Jana dobrou os joelhos sobre as pedras roliças da frente da igreja. Ela tinha livros nas mãos e o corpo pesado, de modo que não conseguia apoiar no chão para melhor se ajeitar na sublime posição. Então ficou, sentindo, talvez, um pouco de dor. Mas a dor pra Jana, eu digo, a dor, para Jana, era um sentimento somente do corpo, ela sabia. A alma, diziam, era mais além e a alma, Jana sentia, não doía. A alma dela nada atingia, por isso, mesmo com dores, Jana sempre seguia.
Ajoelhada, ela baixou a cabeça, fechou os olhos e sentiu o manto macio de Santana escorrendo doce pelos costas fortes e morenas de um tempo antigo de roça. Era o inicio da festa da padroeira da cidade. As músicos compunham uma pequena banda, e os fieis, devoto da santa, iniciavam, naquele dia, peregrinação por donativos, o que duraria mais de três meses.
Bastava uma pequena oferta `a Santana, “que tudo intera”, numa caixinha de madeira cujo um dos caboclos segurava, orgulhoso, para que, em clima de festa, com pistola e melodia, o sujeito tinha direito à uma benção e alguns minutinhos, para uma prece, debaixo do manto sagrado.
Alguns pediam, outros se queixavam. Ha quem agradecesse também o pouco que tinha.
Mas Jana, Jana porem, não chegou nem a pedir. O frio da ceda que escorria pelos ombros e a abraçava pelas costas tocou fundo, tocou no fundo de Jana. E Jana, Jana dura e nunca falha, decidida e corajosa, amoleceu. Dois riozinhos de água fria vararam pelo rosto seco e pingaram no chão.
Ela vinha resistindo. Tinha saído de casa há mais de um ano, com os filhos e ajuda dos parentes. Passou mais de dez anos plantando numa roça que ela tinha certeza ser sua. Certa feita não deu mais, teve que sair e a rocinha, que era sua, na verdade nunca foi. Procurou estudar, mudar de rumo.
Ela vinha resistindo.
Mas dois riozinhos de água fria vararam pelo rosto seco de Jana e pingaram rumo ao chão.