A moça incrédula e o pedaço-do-mestre
O dia tinha sido difícil e ela tinha achado Belém suja, molhada e fedida. Mas, quando a moça virou a esquina, percebeu uma calçada de pedras brancas, uma praça larga e limpa. Sem perceber, havia chegado na igreja de Nossa Senhora de Nazaré. Como ela havia se esquecido da basílica? A basílica do Círio de Nazaré? Já tinha visitado quase tudo na cidade e se esquecera de Nossa Senhora! Virou o carrinho de bebê bruscamente, mudando radical o rumo do passeio e entrou no grande altar.
Havia missa. Um homem abriu a porta de vidro e a bonita moça entrou. Para desaperceber que era turista e assistir a missa como uma belenense, ela fez o sinal da cruz e baixo o joelho e o queixo suave e rapidamente. Sentou-se à beira do banco.
O padre era gringo e falava sobre pecados. Ela fazia esforço pra entender o sermão, que pouco a interessava. De repente o sacerdote convidou ao microfone "aqueles sentados mais ao fundo, que se aproximassem para este momento solene". E, como ela gostava de se sentir integrada a qualquer coisa que fosse e, como ela se sentisse desvinculada, desamparada, de tudo também o que fosse, aproximou-se.
Duas grandes filas foram se armando no caminho do altar. Cantoras e músicos começaram um than than than than bonito e emocionante. A pequena moça arrepiou, sem saber o porquê. O padre desceu do altar com uma imagem na mão, num formato de sol, com raios dourados. O missionário andava lentamente por entre os fiéis que, um a um, tocavam a imagem, fechavam os olhos, mostravam fotos e ajoelhavam em sincera adoração e fé.
A moça não tinha a menor ideia de que imagem se tratava aquela e a medida que chegava mais perto da sua vez ela ensaiava o que fazer. "Pedir? O que eu peço?" - a moça pensou. "Rápido, o que eu peço?"
Independente do que fosse, a imagem foi se aproximando, nas mãos do grande sacerdote, de bata nobre sobre o colo, duas senhoras atrás, com velas acesas na mão, cantando de cor a letra evangélica que subia alto ao teto adornado com anjos e ecoava grande pelo recinto sagrado, de Maria, de Jesus, de muito ouro! E a imagem chegou a ela, incrédula.
A moça simplesmente colocou a mão suavemente sobre a sagrada imagem, fechou os olhos e agradeceu. "Obrigada, obrigada, obrigada" - pensou incessantemente. "Obrigada, obrigada, obrigada".
Em poucos segundos sua mente chegou a Jesus e ela se tacou a seus pes, tocando-o e beijando-o numa crendice cega de amor ao criador. Um ato íntimo de profundo desespero, diante do mestre ela jamais poderia pedir. E agradeceu a vidinha assim como ela era, as dores da alma que sentia, o medo do futuro, de estar sozinha, a falta de paz no coração que batia rápido e ansioso incessantemente, deixando-a constantemente cansada.
O padre deu passo a frente, o simbólico pedaço-do-mestre passou para o próximo e a pobre moca, emocionada, desatou a chorar num desconsolo sem-fim.