A cabeça cheia do velhinho Dr. Willians

Da toquinha amarela descia um cachecol, fininho, mas que cobria a orelha esquerda e escorria se enrolando, acariciando seu pescoço de velhinho. Ele sentava quieto, curvado, na mureta da garagem. As mãos na cabeça cheia, pesada, com raiva de ser velho, de ser tratado que nem criança. Com raiva de ser velho teimoso que sabia que era, de brigar com filho, com neto. Dos olhos, caia água.

A noite estava gelada e uma garoinha fina caia sobre suas costas, no sereno, perto do portão de ferro que dava pra calçada.

- Cadê a chave do meu carro? Cadê, cadê? - ele perguntava minutos antes de sair de dentro de casa.

Todo mundo se fazia de besta, ninguém respondia o absurdo do velho. Mas ele estava sério, e exigia respeito.

- Cadê, cadê? Eu vou embora. Isso mesmo, eu vou embora. - E foi saindo, como era de sua vontade. Ate que sentou, como era de sua condição.

Lá dentro, a família reclamava com suas razoes e falava dos desaforos, da falta de reconhecimento. Eles faziam tudo por ele: sopa, casa, companhia. Que mais ele queria? Que mais ele queria?

- Se você sair, você não volta mais. Pensa bem, pensa bem. Eu estou falando sério. - Disse Eliane, a nora, com a voz tremendo de choro e de raiva. A nora que tanto cuidava dele, que fazia tudo por amor, mas que sofre. Como o velho, como o velho ela sofre. Outro dia ouvi ela retrucar pro marido: "que bosta de vida, com esse homem nojento". Eu ouvi, eu ouvi! Não acreditei.

Mas estava garoando e ninguém percebia. Ele continuava lá fora querendo ir, esperando a chave. Sua filha foi ate a muretinha perto do portão e ficou do seu lado. Como não tinha como tira-lo dali, correu e cobriu-o com uma mantinha branca.

- Eu quero pegar logo uma pneumonia e morrer. – Dr. Willians dizia completamente atordoado, completamente.

- Você não morre porque é orgulhoso, pai. Precisa parar com isso. Volta lá.

Ele sabia, sabia. Estava com vergonha, com raiva. Era duro não ser mais o homem da casa. Que situação. Que situação. Cadê Semíramis, meu Deus, cadê Semíramis??? Sua falecida querida mulher. Seu bom senso, seu limite. Tudo se foi. Tudo se foi.

Leticia Baeta
Enviado por Leticia Baeta em 11/03/2016
Código do texto: T5570659
Classificação de conteúdo: seguro