Relatos da vida de um nordestino. (Por Antonio Herrero Portilho)

Eu nunca iria avaliar senhor Gustão como um analfabeto apesar do jeitão dele; falava muitas palavras errada, mas, devido o costume do lugar. Seu Gustão sempre tinha em mãos um livreto destes de rima dos melhores poetas sertanejo, Patativa de Asaré era um dos preferidos, logo se vê que não se tratava de um ignorante, ele sentia prazer em respirar a essência que exalava do papel novo e o cheiro da tinta da xilogravura. Morava com sua amabilíssima família em seu pequeno sitio em meio à natureza, conhecia infinidades de plantas, sabia o nome delas assim com a facilidade da memória de uma criança, apesar de sua idade estar lá completando sua vivência aqui nesta terra; um sábio nato, formado nas escolas deste mundo, gostava de uma boa prosa, passava longas horas contando causos e dizia de suas experiências de vida. Seus ouvintes ficavam impressionados ao ouvir dele ensinamento em que até relatava fatos alem desta terra, falava dos planetas, das estrelas, e até reverenciava o nascer do sol, parecia rito de religiões antigas, a lua e seu resplendor sempre foi inspiração para seus repentes e cantigas, algumas vezes à noitinha quando o luar estava tão claro ele soltava seu canto enchendo seus olhares das planícies deste seu sertão. Já á alguns meses seu Gustão anda meio que aborrecido, a seca já estava começando a maltratar suas criações, mas, mesmo com este sacrifício ainda não morreu nenhum de seus animais, já estão magras e abatidas, caso venha perdurar por alguns meses ai sim haverá algumas baixas em seu rebanho, conforme sua refinada sabedoria e o seu conhecimento, ele tinha a convicção que a qualquer hora desta o sertão receberá águas em abundância, esta chuva demorará mais não falhará, só questão de tempo. Seu Gustão quando se levantou logo pela manhã andou alguns passos em direção do riacho que corria ali nos fundos do sitio, foi logo observar como estava à correnteza, se a vazão e o nível destas águas haviam abaixado, e se assim fora é porque não havia chovido na nascente destas águas, aquelas nuvens carregadas que se apresentou na tarde de ontem não fez chover, só ameaça e para sua preocupação constatou que realmente diminuiu um pouco, Este velho sertanejo sentiu que seus olhos começaram a marejar quando firmou em direção do infinito, o céu estava azul como uma pedra de anil, nada de chuva.

                       NO AMANHECER DO OUTRO DIA.

A rede estava balançando na varanda, seu Gustão retirou seu chapéu de couro cru, que lhe cobria os seus olhos, ainda estava um pouco escuro, o claro ainda não tinha esparramado pela planície, alguns raios tocava a copa da enorme sucupira dali bem perto de seu quintal; a árvore mais alta das imediações, ele fez cessar o ranger das cordas que amarrava estes seu companheiro rede de dormir, gostava de dormir ali do lado de fora de sua casa, só para apreciar sua propriedade e enxergar suas criações em plena lua clara do mês de outubro. Levantou-se ai neste momento, sentou-se em neste mesmo leito, se espreguiçou, pegou suas botinas, bateu-a para por pra fora qualquer bicho destes que gostam de se esconder nestes calçados, as calçou e desceu alguns passos até alcançar as águas do riacho que murmurava bem ali perto de casa, abaixou-se para banhar o rosto, e até beber alguns goles deste maravilhoso líquido, nesta hora da manhã esta bem gelada e corria procurando os lugares mais baixos deste terreno, Seu Gustão ainda parou alguns minutos para observar o cardume de peixes que nadavam tranquilamente. Em pleno silêncio deste deserto ainda conseguiu ouvir uns trovões um pouco distante dali, rumo a nascente do córrego, alguns minutos depois percebeu que as águas do riacho estava aumentando o nível, certeza que agora começou chover na cabeceira deste ribeirão, começou a ficar contente, der repente o leito ficou largo e até ultrapassa as margens normais, com tanta euforia tal era sua certeza soltou um grito bem alto chamando sua mulher e seus dois filhos – Venha cá vocês, corre, vem ver, vem ver, logo começa a chover. Seu Gustão foi até o pasto e trouxe suas poucas cabeças de gado; cinco vacas leiteiras e alguns garrotes contanto com seu tourinho reprodutor, prendeu-os no cercado ali bem perto de casa, do lado do bebedouro, foi se ocupar com alguns afazeres do sítio aguardando a chuva que já estava ali por perto, das sete horas desta manhã até as onze horas e meia andou plantando um bom trecho de mandiocas e um longo talhão de canas incluindo até melancias, no dia anterior plantou bastante milho, agora é só esperar pela chuva. Hora do almoço, volta pra casa lá pras meio dia, bem na hora das primeiras mastigadas, vela lá no espigão, estava branco de chuva, e até chegava aquela brisa refrescante anunciando a chegada, caia um belo pé d’água já observava que seu roçado, agora á pouco plantado já estava totalmente regado por estas generosas chuvas. Seu Gustão foi até ali no terreiro de casa, tirou o chapéu, abriu bem os braços e ai cantou um aboio de vaqueiro, o som do canto deste velho ecoava pelos sertões, ia até os descampados e serras, terminando a cantiga ai emendou com uma oração que ele fez somente entre seus lábios, agradecia seu santo ao qual ele sempre rezava para que chovesse, e assim agradecia a natureza. Hoje dezesseis de Outubro de Um mil novecentos e... Primeiro foi um temporal, agora Já faz três dias que está chuvinha miúda desaba encharcando tudo, isso é a maior alegria do sertanejo. Nesta tardinha seu Gustão se envaideceu com festa da passarada; o pé de sucupira ficou com os galhos repletos de tantas aves provocando um grande barulho com suas cantorias, para o contentamento deste sertanejo esta chuva fininha já ia pros quatros dias, seu Augusto depois de seus asseios diário correu em direção de sua rede, bateu-lhe um sono, a noite tava carregada de nuvens, aguardava o resultado desta sua plantação, acostou-se na rede, apoiou sua espingarda no peito e com sua cintura carregada de bala, só precisar era a conta de acionar o gatilho, para isso ele era ótimo na pontaria. Em plena chuva miúda ele antes de dormir percebeu o bater as asas deste pássaro, era o urutau, voou e pousou bem na ponta desta árvore seca, uma galhada de aroeira, ai ele emitiu seu canto funesto, repetiu por algumas quase hora enquanto embalava o sono do senhor Gustão. Quando foi pela manhãzinha já se percebia uns ares diferentes, aquele cheiro de terra molhada e o chão verde que estendia por tudo, até onde a vista alcança. Seu Augusto havia alimentado o gado de vários balaios de macaxeira, canas e grande quantidade de milhos para os porcos. Nesta tarde sei Augusto dirige-se a seu lugar de dormir, já havia jantado, foi descansar-se, pediu que seu filho o levasse o seu violão, encostou sua espingarda ali no canto e logo foi abraçar com seu violão, dedilhou as suas cordas para conferir a afinação, logo abriu a garganta e cantou com toda a força de sua alma de caboclo, releu alguns cordéis do velho poeta Patativa do Assaré.

09/02/2016 Postado há 10 hours ago por Antonio Herrero
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Antonio Portilho antherport
Enviado por Antonio Portilho antherport em 10/02/2016
Reeditado em 14/02/2016
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