AS CARTAS E O MAR

“Ele era uma pessoa comum aos olhos de quem não o conhecia. E quem era próximo dele, via uma pessoa agradável, simpática, extrovertida, bem-humorada e amiga. Procurava sempre estar de bem com a vida, e lidar com os problemas da melhor forma.

Muitos o admiravam por ser quem era. Mas absolutamente ninguém o conhecia por dentro, nem tampouco o sofrimento que carregava dentro de si. Um fardo tão pesado, que nem sua vivência foi capaz de discernir. Tudo por causa de uma ausência na sua vida. A que mais doía e anulava seu sono e descanso. A que mais o fez gastar tempo em questionamentos internos e inúteis. Tudo que alguns conseguem tirar de letra numa situação como essa, ele era incapaz de fazer. Pois tudo que ele mais almejava era estar com essa pessoa até o fim da vida. Coisa que era até possível, se ela não tivesse feito escolhas que viraram prioridades. O que o deixou, além de se sentir em segundo plano, desprezado, se sentindo a cada dia que passava mais e mais sozinho. Mesmo rodeado de amigos, acreditava que não iriam ajudá-lo como esperava.

Aquela agonia foi ficando mais intensa conforme passavam os dias e meses. Até que num determinado momento, ele viu que era impossível viver daquela forma. Acordou cedo no dia seguinte, preparou seu breakfast e arrumou a casa de maneira onde tudo estava em seu devido lugar. Sentou-se à mesa e começou a escrever o que seriam três longas cartas. Depois de guardá-las em envelopes, ele se arrumou ao vestir suas roupas favoritas: uma jaqueta jeans azul, uma camiseta branca, uma calça bege e um All Star surrado. Saiu de casa e pensou milhões de coisas pelo caminho.

Ele foi até a casa dos pais, onde conversaram por muito tempo, almoçaram e se divertiram. Ele se despediu dos pais depois de ter deixado secreta e propositadamente, uma carta junto com a chave de seu apartamento, numa gaveta do criado-mudo ao lado da cama deles. Em seguida ele foi até o lugar onde trabalhava, deixou outra carta na caixa de correio e prosseguiu. O último destino seria o mais óbvio: a residência da pessoa que ele amava. Ele estava ciente de que ela não estaria, e por esse motivo enfiou a derradeira e definitiva carta por baixo da porta, prendeu uma rosa vermelha na maçaneta, olhou detalhadamente a casa e se foi.

À medida que ele alongava os passos, mais ele chorava. Compulsivamente, como uma criança que acabou de levar uma surra. Enviou algumas mensagens SMS para alguns poucos amigos e, ao chegar na rodoviária, entrou no ônibus. Enquanto o carro corria, ele via todas as paisagens passar e gravava na mente todos os detalhes possíveis. E pensava muito nos momentos bons que havia vivido com todas as pessoas especiais em sua vida, e principalmente naquela que fez seu coração bater mais rápido, e mostrou o sentido real da vida e da felicidade. Que se acabou no exato momento em que ela rompeu com ele. Um rapaz cheio de sonhos e planos, repleto de um amor imaculado, se viu totalmente vazio e sem rumo a seguir.

Na carta que havia deixado no emprego, ele dizia que passaria um tempo afastado de tudo. Mas agradeceu tudo que havia aprendido no emprego. Na que deixou aos pais, disse jamais esquecer a primeira vez que foi à praia, a longa conversa com a mãe por ter contado uma mentira, e por ter desabafado todo problema com o pai. E que essas três coisas o fez aprender muito. Disse que deixou a chave de casa para eles cuidarem de tudo como se devia, pois estava partindo e não sabia se retornava. Mas que estaria bem e quando batesse a saudade, ouvissem ‘I Shall be Released’ do Bob Dylan, e lembrassem o quanto sorria, cantava e era uma eterna criança.

Nesse momento, o rapaz estava sentado na areia da praia ouvindo o barulho do mar. E lembrava das palavras que escreveu na carta para seu amor maior. Entre a descrição particular do primeiro encontro até o término do relacionamento, ele foi visceralmente honesto com ela ao expressar o quanto havia sofrido, chorado e nunca superado a sua falta, que era seu ‘porto seguro’. Mas acima de tudo, que ele foi ‘absurda e inexplicavelmente feliz’ e a agradeceu por cada momento vivido e, disso, as lembranças maravilhosas que levava consigo. E o desfecho da carta era: “Desejar toda a felicidade do mundo pra você, ainda seria pouco comparado ao que sinto. Ao terminar de ler essa carta, eu ficaria muito feliz se, ao menos, eu fosse uma das pessoas mais importantes que passaram em sua vida. Pois nessa hora, não serei mais uma bela lembrança na sua mente. E sim, a estrela mais brilhante no céu, quando você abrir sua janela à noite, dizendo: ‘Eu te amo por toda a eternidade, meu amor. Se você me amar também, estou te esperando bem aqui.’

Ele era uma pessoa comum aos olhos de quem não o conhecia. Uma pessoa comum que queria apenas ser amado por quem mais amava. Uma pessoa comum que, passo a passo, entrava no mar até seus pés não encontrarem mais o solo.

Enfim, ele e seu sofrimento, se tornavam mais uma onda no imenso oceano.”

Originalmente publicado em:

https://deixecrescer.wordpress.com/2015/09/14/as-cartas-e-o-mar/

Deixe Crescer
Enviado por Deixe Crescer em 05/01/2016
Código do texto: T5501583
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