A Decisão

Marina caminhava lentamente pelo encostamento do viaduto, quase não tirava os pés do chão, arrastava seus sapatos velhos pelo concreto. Julgava ser três da tarde ou algo assim, não sabia e era meio difícil precisar por causa do clima inebriante. As espessas nuvens escuras não a deixavam ver a posição do sol, o vento soprava silencioso e até os poucos carros que passavam pareciam obedecer aquele padrão. Se Marina tivesse pesquisado no Google sobre o tempo, com certeza teria descoberto que aquele seria o dia perfeito para se matar. Mas ela já tomara sua decisão, independente do sol estar escondido ou não.

O ritual do suicídio começara mais cedo. Escolheu a roupa a dedo, a mesma roupa que usava quando vira Lucas vivo pela última vez: uma camiseta de uma banda de Rock que ela nem ouvia e um jeans desbotado. A roupa com que imaginara centenas de vezes sendo velada; Mas sabia que a trocariam por um vestido preto ou algo mais social e sem graça. Se nem viva tinha seus desejos realizados, que dirá depois de morta.

Aquela ideia vinha sussurrando em sua mente havia semanas, sinceramente acreditava que a voz em sua cabeça sempre estivera lá, querendo não estar, mas vinha a cada dia se tornando um grito suplicante, insuportável e que logo seria atendido.

Marina tinha várias possibilidades para se matar. No começo, queria algo com muito sangue, cortar os pulsos, fazer sua última grande sujeira e deixar uma visão chocante para quem fosse ter o azar de encontrar o corpo, mas pensou na dor e, pior, no risco de sobreviver. Precisava de algo mais fatal, instantâneo. Enforcamento também era uma ideia, mas deixou para lá quando, após pesquisar na internet sobre suicídios em sua cidade, descobriu que uma garota tinha se atirado de uma ponte ali perto uns 6 meses antes, a morte tinha sido instantânea, como ela queria. Não se lembrava de ter visto isso em noticiário algum. Eles evitam noticiar esse tipo de coisa para tentar impedir imitações. Estão certos. Estava decidido o que ia fazer, só faltava agora escolher quando. Esperou que a faísca da dor acendesse a chama da coragem. O que não demorou acontecer.

Parada no ponto mais alto do viaduto, Marina encarava as pedras lá embaixo, esperando que elas lhe dissessem algo que a estimulasse a pular. “Venha Marina, pule na gente, somos macias e te levaremos para o sono tranquilo que tem esperado há tanto tempo”. Não queria pensar no que lhe mataria, se o impacto ou a dor que vinha em seguida, ou os dois. Via aquele salto como um ato de libertação. Aquela ponte era seu portal para o descanso que a tanto tempo pedia a deus. Não seria um descanso apenas para si, mas para sua mãe e o namorado idiota dela. Se era paz o que eles queriam, era isso que ela lhes daria. Um presente de noivado inesquecível. Um motivo para se culparem pelo resto de suas vidas. Uma razão para terem o que discutir, se separar talvez. A carta que deixara dizendo que os odiava e que eles eram os responsáveis pela sua morte, era a garantia disso. Mesmo a morte Lucas tendo grande importância naquela decisão, mesmo a sua própria culpa pela morte do amigo ser o maior de todos os seus motivos, ela precisava de mais alguém para culpar. Alguém além dela. Ela estava dando a si própria sua punição e esperava que os outros tivessem a sua em breve. Uma morte levava a outra, essa era a regra ali. No fundo, esperava que a seu suicídio levasse sua mãe a enxergar o imbecil que colocara debaixo do próprio teto, pegar o 38 de seu pai e estourar os miolos de Jorge. Mas Marina sabia que a mãe jamais faria isso, seria mais fácil Júlia estourar a própria cabeça (o que ela também não faria) antes de fazer mal a qualquer outra pessoa. Era uma covarde. Talvez por isso precisasse se esconder na sombra de um cara mau e o preço que pagava para tê-lo ao seu lado era fechar os olhos para o que acontecia com a sua própria filha.

Equilibrada sobre as grades de concreto do viaduto, buscando ouvir as vozes das pedras, Marina respirava seus últimos momentos na Terra. Logo tudo acabaria, o mundo acabaria para ela. Preferia imaginar que ali era o fim, que seria como ir dormir um sono sem sonhos, que não haveria punição ou recompensa. Abriu os braços e sentiu que ia chorar. Não chorava há tanto tempo, sua reserva de lágrimas estava esgotada. “Pula logo, vadia!” Alguém gritou do banco de trás de um carro que passava em alta velocidade. As últimas palavras que ouviria, pensou. Pula logo, vadia. Ela pulou.

Thiago W Flores
Enviado por Thiago W Flores em 27/09/2015
Código do texto: T5396341
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