A espera

Cauby ao fundo, um maço de ervas em cima da pia, o café já frio e minha alma completamente congelada. Não saberia mais por onde ir, talvez New York, talvez até a linha Sete de setembro. Precisava de coisas nova, sem abandonar a inocência dos sorvetes derretidos, dos pés na estrada de barro-lodo e calcanhares se confundindo.

Queria as noites com as "Chiquititas", minha sopa no prato marrom lascado, da minha velha chávena. Eu era uma farsa bem montada, arquitetava tanto, que esquecia de viver. O passado consumia grande parte de meu tempo. E tempo era dinheiro. Não era nada saudável viver de falcatruas. Meus sentidos se enganavam sempre.

Eu bem que tentava acordar feliz e ter certeza de que o que dia seria maravilhoso, mas não, eu apenas acordava e dormia mais um pouco, na esperança de que minha mãe viria com o chá e com as torradas até à minha cama, e me daria um beijo bem docinho, dizendo que estava tudo bem, que fora um pesadelo.

Meu prato preferido eram as emoções, bem à flor da pele, perdidas, em pedaços, com fatias estranhas, como gravata esgoelada. Quase sempre eu conseguia a intensidade das emoções, mas já curtidas... e eu era o único a notar, esperando a resposta seguinte, o carinho do depois, a alma enroscada do outro.

Minhas cuecas já estavam furadas, minhas meias encardidas e eu vivia num pardieiro. As colchas remendadas, as paredes com mofo. Eu podia limpar tudo, rearranjar os móveis, buscar a felicidade no prato de sopa do meio-dia. Inevitável. O caso. Sei, sei, eu sou um inconformado por natureza. Mas a vida sempre me fez de palhaço, me jogando trocados pelos showzinhos feitos. Quem sabe um dia, seja uma peça mais elaborada de Shakespeare.

Tenho tanta certeza do não; a busca por soluções parece-me tão intangível. Marco encontros com a rotina; agendo mesquinharias e me perco um tanto mais, em desânimo. Enjoo-me. Tenho náuseas da vida, essa massa que apodrece na língua, no nariz, nos olhos, nos ouvidos e nessa pele já gasta das mãos.

O luxo de comer cerejas todos os dias, de fumar o cigarro mais caro, de vestir a roupa da moda. Em vão, nada supera minha melancolia acentuada pelos traumas. Quais? Todos esses monstros a me rodear.

Não tenho mais espinhas, conquanto sou novato na matéria de crer. Antes eu até acreditava que tudo mudaria com as forças de um certo Deus; tinha heróis, tinha visões do futuro.

Hoje me deito na grama, vejo o céu bem azulzinho, contemplo as nuvens e observo como a liberdade dos pássaros é semelhante a que retiraram de mim.

E os pássaros defecam sobre mim. Na escória. Um dia fui o número um da natureza, hoje, mais um depósito.

Fujo, mas sempre estou aqui. A espera.