Um botão, por favor!
eu estava! não, eu não estava; queria estar, ou estava sem estar-estava sem saber. eu estava um mal-estar.
“amanhã vai estar 58 centavos a batata, não é?” Micaela sempre conduzira muito bem os negócios de casa. Desde criança- sua arrumação perfeita- os lençóis limpos a ponto de confundir-se o cheiro do próprio tecido com o tecer de Micaela. Não fossem os “melhor assim, né?” Micaela seria uma ótima revolucionária.
_Limpei tua casa e lavei as tuas roupas, acho que ficou melhor assim né. Conserve agora que já está limpo. (ah, sempre as conservas da menina). As roupas limpas coloquei em cima da cadeira, lavei alguns moletons teus. Os colchonetes estão de pé perto da janela, molharam um pouco a borda...se puder amanhã coloca lá fora pra secar. (ah, a subserviência da criança). Então te cuida, se você sair...e não exagere na bebida e no cigarro também. (ah, a amabilidade da parideira).
para ela eu nunca estive lá.
“paciência, porque eu não fui, nem sou, nem serei, acho que não me tornarei uma pessoa de fácil acesso.” Alice sempre fora atropelo de vem-vindo, estou fervendo de dor, mas tenho medo de ferver demais, sozinha aqui, nesse canto de corredor com meus pulsos cortados de poesia. Era daquelas tresloucadas, freiras marianas loucas e alteradas. Gostava das penumbras e dos não-ditos. Ela testava, antes mesmo de invitar. Sabia por os pés com profundidade na terra viva, embora morresse muito a cada pisada.
com ela eu podia limpar a casa, chorar, fazer sopa, ir ao mercado, até vodu e o diabo a quatro, mas para ela eu nunca estive lá.
“mas, mas, eu tenho uma pressa, uma urgência, e uma insanidade de corromper tudo o que nasce livre. Destruir antes que aconteça?” Carolina sempre se debatera sobre o sondável das suas veias resumidas de compulsão. Para ela, o tudo outra vez podia doer muito, não fosse a sua mania de querer sempre reativar o novo-velho novamente. Ela dava-me presentinhos de paz todos os dias quando os seus cabelos estavam bem coloridos apesar de pretos na cor, mas isso poucos entenderiam.
a saudade nunca foi um deserto para ela, afinal, parada, perdida, encontrava no passado as aventuras pra construir o presente, mas para ela eu nunca estive lá.
“percorri quilômetros de bicicleta para brincar com teus desejos.” Viviane fez muitos piqueniques comigo, por mais que não entendesse o grande homem em mim, ela entendia a grande criança comigo. E não me conhecera quando guri. Sabia rir como ninguém, n’algum lugar escondia frustração, talvez nas sardas, no entanto seus olhos eram de laços. Capenga, bravia, dava-se bem somente no que acreditava, mas como não sabia em quê acreditar, entrava rapidamente no erro do manso desacordar-se.
tudo era realmente bom na sua companhia, mas para ela eu nunca estive lá.
“tudo é muito novo por aqui, e isso me dá um medo bom.” Carlinhos bastava-se com seus livros, seus cds e sua pilha de lirismo acumulado. Sabia só do momento, o depois pouco importava, pois há de aprender-se que o depois é assim mesmo, sem explicação. O hoje nunca se renovava para ele, mas o depois seria o agora desabrochado.
fazia boas fotos, embora esquecesse de viver; porque vivia nas suas fotografias, mas para ele eu nunca estive lá.
“eu estou bem, nada impede a minha felicidade.” Isso era o que Augusto dizia todas as manhãs; quando do final do dia, ele mudava totalmente, achava o mundo uma droga, enjeitava seus gozos com reclamações. Tinha medo nos cachos dos seus cabelos. Sabia (ele sempre tinha certeza do porvir) que ficaria para titio pelo resto da vida, e assim esperava. Mas amanhã amanheceria e ele estaria bem e nada impediria a sua felicidade.
mesmo mandando-me chamegos diurnos, para ele eu nunca estive lá.
“tenho vergonha do que tento passar aos outros e não consigo.” Mario não sabia explicar-se, muito menos entender-se. Eu menos ainda, afinal ele era uma gosma embolorada numa gaveta qualquer da minha antiga casa. Era distante em sua ciranda de definhamentos. O que mais gostava era deixar-se levar pelo vento do quintal de sua avó, olhando cada detalhe dos pés de frutas. Mas sua vida era musgo, mato e entulhos, e porque ele queria, ora por coragem, ora por preguiça.
sua completude era sentir-se vazio, e entendia ser isso ruim e bom, mas para ele eu nunca estive lá.
“fique feliz, vai funcionar um dia, o concreto morre e os sonhos erguem paredes.” Alberto tentava, apesar dos cortes, apesar das dores, apesar das falsas alegrias. Acreditava numa felicidade projetada num campo qualquer, com flores amarelas, rosinhas, muitas delas murchas, mas cheias de vida. Preferia crer nas infusões com ervas da horta de seu sítio, ao invés de saber intacta a memória de um mar distante de bênçãos. As chaves eram as portas, de verdade. Tinha um riso nervoso, de quem esconde a dor em face ao carinho do outro. Mas na verdade inventada, ele acreditava.
acreditava nas minhas mãos hábeis de artesão de nuvens bobas e de sonhos moles, mas para ele eu nunca estive lá.
Eu fui tão correto naquele...tão rei de meus próprios caminhos. Eu tive asas, mesmo podadas desde muito cedo. Asas de nódoas vermelhas, pois era de fantasia que eu inundava meu quarto todos os dias. Antes do meio dia, mamãe sabia que feijão e arroz não me deixariam satisfeito, eu necessitava de grandes galopes de poeira intensa, misturada à eternidade de ser feliz em mim mesmo. Será que para mamãe eu estava lá?