Sentei-ME
"O que ocultamos, é o que importa, é o que somos"
Lúcio Cardoso
Sentei-me. A luz amarelecida da lâmpada de mercúrio e a fumaça do meu cigarro. Formavam um balé, como que gotas de luz pingavam em meu rosto cansado pela falta de sono. O café bramia atenção na cozinha, e eu nada.
Nada mais me faria esquecê-lo, o cheiro azeitonado da pele morena. Sentir o dorso dele sob meu peito, o beijo mais forte. O acelerar do meu coração há muito ferido pela melancolia.
Lembranças. Até mesmo os morangos mordidos em cima da cama.
Meu remédio era o seu corpo, tingindo a colcha com o perfume mais colorido, manchando o meu corpo.
Sentei-me. E nessa sentada sobre a luz, vi. Vi que eu era apenas mais um chato carente, precisando de amores bestinhas. Queria o sorriso mais doce e vermelho. Aqueles lábios de pêssego maduro.
Os cílios bem torneados, as mandíbulas como um devorador de almas. Que triste meu sábado de lembranças. Que velharia, que emoções toscas. Faria-me bem um leite quente, com bastante canela e um beijo doce, feito chá de camomila.
Aqui fora. Eu e meu cigarro. Eu e a luz, eu e a alma cortante. Apenas eu e os sonhos e as ilusões. Divagando por um amor durável, como uma prece ao menino Jesus. Quero e pronto. Mas não consigo encontrá-lo. Apenas partes desconexas que se juntam.
No banheiro ainda estão a escova de dente e o xampu de amêndoas. Ele está por toda a casa. Ele está em mim, eu nele.
Nós dois. Mas eu sou pássaro, voando alto e ele pedra. Parado, sem ação. Eu quero mais e ele não.
Sufocado, perdido.
Vou seguindo pela rua, em estado de contemplação.