A velha calça de pijama (azul-verde)

“reza a lenda que algumas pessoas não percebem o Natal pelo tempo cronológico, mas pelo canto das cigarras no ingazeiro”

Como um ritual: retirou do guarda-roupa a velha calça de pijama (azul-verde). Entoando uma cantiga que aprendera com as lavadeiras, seguiu até o tanque (de plástico, pequeno). Abriu a torneira de metal, nem muito para que a água jorrasse, nem tão pouco para que a água brotasse pura. Molhou o velho tecido-não sabia que tecido era, sabia que era fino, muito fino (pelo tipo da malha).

Girando o tecido entre as mãos, a água pouca a introjetar-se no pano (velho e gasto). A cantiga ecoando pelo apartamento. Era tudo muito leve. Como deveriam ser leves os momentos de compaixão. O sabonete de benjoim que ele sempre usava para lavar aquela velha calça de pijama (azul-verde). As mãos cansadas, as mãos chorosas, as mãos-lembranças. As mãos foram esfregando aquele pano, calmamente, como deveriam ser calmos os gestos de compaixão. Não, ele não usou nenhum tipo de utensílio para esfregar, achava que se usasse uma escova perderia o afeto da fazenda. As escovas lavam mal, porque ferem o tecido.

Cantarolando, lavando, esfregando, sorvendo a doçura de lavar, sabendo a importância daquele lavar. Água pouca, enxaguar. No mesmo ritmo, na mesma esperança, com a mesma lembrança, como se lavasse um bebê recém-nascido-as mães sempre têm medo de lavar os bebês recém-nascidos, porque eles têm a “moleira”.

(fragilidade)

Torceu com a mão, não, ele não queria usar nenhum instrumento que danificasse o carinho. Uma secadora de roupas acabaria com a inocência, com a lembrança, com a hereditariedade. Dez passos contados pelos azulejos (bege). Prendedor de madeira (já preteados pelo uso), varal na janela (grades). E quando ele ia estender aquela velha calça de pijama (azul-verde), quis cheirá-la. E assim o fez. O cheiro era tão velho quanto a calça velha de pijama (azul-verde). O cheiro era ele com ele e ele com o outro. Era ele, o jovem com ele, o velho. Era o velho com ele e ele com o velho. Pois estendeu. Não havia sol, não havia cor no dia, havia um ar fresco, um ar como menino num domingo em cima do poço com manivela de madeira.

Ele lavava assim, mas só aquela velha calça de pijama (azul-verde). E por quê? Era um jeito de ele aninhar-se, reconhecer-se, transportar-se para a ingenuidade que tanto teve e queria de volta. Era uma maneira de sentir o cheiro de fumo de rolo na palha de milho. Era um jeito de ouvir a voz cremosa e infantil do velho senhor. Era um jeito de lembrar, não apenas por lembrar, mas por viver da lembrança, com a lembrança.

(senhor-cuide de mim, senhor-proteja-me, senhor-faça-me criança, senhor-sorria para mim, senhor-dá-me a tua mão)

Ele usava aquela velha calça de pijama (azul-verde) todos os dias ao dormir, e de manhã dobrava-a sofregamente, alinhadamente e colocava-a sobre a cama. Mas nunca passava ferro naquela velha calça de pijama (azul-verde). Ele achava que o ferro poderia machucar o avô que permanecia naquele tecido.