ENCONTROS E DESPEDIDAS
Jorge chegou ao café da Alameda Lorena atrasado para o encontro. Entrou rápido, deu uma olhada pelo ambiente e constatou que Helena ainda não havia chegado. Uma garoa caía do lado de fora, molhando aos poucos o asfalto, e os carros, com seus faróis acesos, seguiam lentos num tráfico previsível num final de tarde como aquele.
Um tanto indeciso, Jorge resolveu pedir um cafézinho e esperar. Ocupou uma mesa que lhe dava uma boa visão da porta de entrada e aguardou, ansioso. Poucos minutos depois, Helena entrou, sacudindo uma sombrinha molhada e passando os dedos pelos cabelos castanhos. Ela olhou ao redor e Jorge acenou para que ela o visse e, ao vê-lo, ela abriu um sorriso largo.
Helena, vestida com discreção em seu vestido marrom, aproximou-se da mesa sorridente e Jorge, um tanto tímido, levantou-se para um beijo no rosto. Sentaram-se frente a frente e trocaram desculpas pelo atraso. Uma garçonete veio anotar o pedido de Helena e se afastou. Jorge, então, um pouco mais refeito da emoção, começou a falar, disfarçando o nervosismo:
- Quanto tempo!
- É mesmo! Doze anos!
- Você não mudou nada!
- Bondade sua...
- Verdade! – disse Jorge, tímido.
- Me fala de você! O que tem feito? – perguntou Helena, entusiasmada.
- Depois da faculdade, andei viajando... E você?
- Casei...
- É mesmo? – disse Jorge, remexendo-se na cadeira.
- E você? Casou?
- Não... Não fui tão louco...
- Louco? – disse Helena rindo-se.
- Nunca achei que casamento fôsse pra mim...
- Entendo! E quanto a filhos?
- Que eu saiba, nenhum...
- Eu tenho dois... um casal.
- Que surpresa! – Jorge remexeu-se na cadeira novamente e a garçonete voltou, trazendo o capuccino de Helena, e saindo de cena mais uma vez.
- Tanta coisa aconteceu depois que perdemos contato... – disse Helena, mexendo o capuccino com uma colher.
- Eu tentei te ligar algumas vezes, mas você havia se mudado.
- Depois que você foi embora, morei com uma amiga num apartamento na Vila Mariana, até terminar a faculdade.
- Seus pais nunca me deram seu telefone...
- Eles não gostavam muito de você...
- Eu sei e os entendo.
- Você já visitou a rua em que crescemos?
- Sim, para rever alguns amigos. Tudo tão mudado...
- É verdade! Meus pais ainda moram na mesma casa.
- De esquina, próximo à escola em que estudamos...
- Isso mesmo!
- Meus pais mudaram-se para Catanduva, veja só!
- Eu fiquei sabendo... Faz tempo que não falo com eles...
- Você tem visto o resto da turma?
- Não. – Helena tomou um gole de sua bebida. - Fui ao casamento do Marcelo e fui à formatura da Isabel, mas nunca mais vi os outros. Todos se casaram e se mudaram... e eu também.
- Que pena!
- Mas você foi quem mais fez falta... – Helena abaixou a cabeça, na tentativa de esconder as faces vermelhas. - Você precisa conhecer o Gustavo, meu marido! – disse, então, rapidamente, antes que Jorge pudesse responder, e para disfarçar o constrangimento. – Ele é professor no Mackenzie.
- É mesmo? – disse Jorge, fingindo interesse. – Ele dá aulas de quê?
- Física!
- Muito bem, você se casou com um “crânio”! Você sempre foi muito inteligente, com certeza, merece um... físico.
- Sinto um leve deboche...
- Não, de jeito nenhum! Não me leve a mal... Eu só estava pensando que ele deve ser bem diferente de mim. Eu não passo de um artista plástico... frustrado!
- Frustrado? Pensei que tudo o que você quisesse na vida fôsse viajar, conhecer lugares diferentes...
- Sim, com certeza. Foi uma aventura, realmente! Coloquei a mochila nas costas e saí pelo Brasil afora, sem rumo, sem hora de chegar. Foi bom! Mas hoje, olho pra mim mesmo, para meu atelier todo bagunçado e para a meia-dúzia de estudantes que tenho de lidar quase todos os dias, e constato que essa, não era a vida que eu queria pra mim. Você sabe, todo artista quer ser reconhecido e ficar famoso.
- Tantos sonhos! Lembro de seus sonhos... Viajar e pintar o Brasil!
- Era um projeto bonito!
- Era, sim!
- E você? O que faz? – perguntou Jorge, depois de terminar o seu café.
- Me formei em Administração e trabalho numa multi-nacional na Avenida Paulista.
- Que legal! Onde você mora?
- Aqui perto, nos Jardins.
- Bom lugar! Quem diria? Estamos aqui frente a frente, depois de tanto tempo...
- É verdade! Pensei que nunca mais fôsse te ver...
- Lembra das nossas brincadeiras de rua?
- Guerra de mamonas? – riu-se Helena.
- Isso mesmo! – Jorge ria com as lembranças de infância. – E aquele dia que quebramos a vidraça do Seu Manoel?
- ...e ele soltou os cachorros em cima da gente... – Helena ria ainda mais.
- Não me lembro de ter corrido tanto na minha vida!
- Lembra quando subíamos no pé de pitanga que tinha na rua? – perguntou Helena depois de recuperar o fôlego, de tanto rir.
- Como esquecer? Subir naquele pé de pitanga me rendeu o primeiro gêsso...
- Naquele pé de pitanga, cravamos nossas iniciais, lembra?
- Lembro... – Jorge olhou bem dentro dos olhos de Helena e completou - ...e prometemos cuidar um do outro, pra sempre.
- Agora, tudo isso é engraçado... – Helena tentou disfarçar que percebia seu olhar.
- Mas naquele tempo, tudo era real e verdadeiro para nós dois.
- Foi você quem foi embora... quem quebrou a promessa... – Helena sorria, divertida.
- Eu nunca deveria ter quebrado... – disse Jorge, sério.
- Deixe-me mostrar as fotos dos meus filhos. – Helena apanhou a carteira na bolsa e buscou as fotos. – Este é o Rafael e esta é a Luana.
- São bonitos! – disse Jorge fixando-se nas fotos.
- Eles são um barato!
- Que família bonita, parabéns!
- Obrigada!
- Você é feliz?
- Que pergunta! Claro que sou!
- Que bom! Sabe, Helena, acho que eu nunca amei ninguém!
- Não diga!
- Eu tive algumas namoradas depois de você, mas nenhuma especial.
- Eu não fui exatamente sua namorada...
- Eu te pedi em namoro, lembra?
- E eu recusei, lembra?
- Mas depois, foi você que quis namorar comigo... – Jorge sorriu, divertido.
- Porém, você é que não quis...
- Eu estava confuso, mil idéias na cabeça...
- Você foi meu primeiro beijo!
- Você também foi o meu!
- Na festa de Natal da sua casa, lembra?
- Atrás do carro do meu pai, na garagem... claro que lembro!
- Outros beijos vieram...
- Na escola...
- ...e a diretora nos pegou no flagra... que vergonha!
- Nossas mães foram chamadas na diretoria... que hilário!
- Foi muito engraçado, mesmo! Fiquei uma semana de castigo, sem ver TV. – Helena riu-se gostosamente.
- Lembro do nosso último beijo também...
- Às duas horas da manhã, na frente do meu portão.
- Eu pus meu pé na estrada no dia seguinte. – Jorge ficou sério.
- E eu fiquei naquele bairro onde tudo me lembrava você... A sorveteria, a danceteria, o ponto de ônibus, o cinema e o pé de pitanga... com as nossas iniciais...
- Eu tinha de ir... – disse Jorge ao perceber um brilho de lágrima nos olhos de Helena.
- Eu sei... eu sei! Você tinha asas e queria voar alto, queria ir longe, queria ser alguém... Eu te endendo...
- Eu fui um tolo, Helena!
- Eu tenho que ir, pois pego o Rafael na escola daqui a pouco...
- Eu senti sua falta...
- ...e ainda tenho de passar no supermercado...
- Claro, claro...
- Anota seu telefone, talvez possamos marcar outro café qualquer dia desses...
- Sim, com certeza! – Jorge anotou o número num guardanapo.
- Quem sabe você possa até mesmo vir jantar em minha casa, conhecer meu marido e meus filhos...
- Será... um prazer...
Helena se levantou, Jorge também. Os dois se beijaram no rosto e Helena deu-lhe as costas, saindo do café a passos rapidos... A garoa continuava a cair do lado de fora.
Jorge sentou-se, pediu mais um café e pensou naquele encontro... Helena continuava linda!