O (NOSSO) MUNDO DE SOPHIA

Empreste as tuas melhores histórias para eu colorir o meu caderno? Talvez seja o único modo dele parecer nosso. É meu, é teu; mas ainda que só pareça, assim já estarei de bem com o mundo. Tão vermelha a cor dos teus cabelos! E tão vermelho o tom das coisas que tenho usado! Tão vermelha a camisa, a calça, as meias. E tu, que já foste azul, que verde, que amarelo, lilás... Fizeste-me aquarela: a única tintura que consigo usar. Isso de uns dois, três anos pra cá. Tarde demais para te conhecer, não foi? Sabe, o tamanho que tenho é o tamanho que me faz te avistar. E de tão pequeno me faço imenso, mas não tamanho tanto quanto quando me notas e me dizes: está tudo bem com você?

Aí me agiganto.

Garanto, não falo de amor. Nem de encanto, paixão. Se te admiro é porque busco uma forma de escolher os meus mitos. Pensa que, porque és perfeita, renunciar-me-ia aos fatos? Jamais! Serei também impositivo a faltar-mear verdade, como todos conseguem ser, ou admirarei apenas o que nunca poderei descrever, narrar, citar, coisas daquelas bem patentes ao coração. Amo tanto que nem sei por onde começar – ainda que eu não esteja falando de amor.

Tua alegria me encanta, tua tristeza me é motivo de inquietação. Tua fome é meu fastio. Tuas canções entraram para o meu repertório. Gostas de seriados, passei a acompanhá-los; fazes tricô, tornei-me um carneiro; dissestes ambicionar saltos com pára-quedas, ando eu cá estudando a posição futura das nuvens. Fiquei precavido de uns tempos adiante, e tenho numa das mãos a velha sabedoria que se vai guardando, em punhado, mesmo que eu não lha perceba uso louvável. Tua negação de si me perplexa. Motivo pelo qual não entrarei nesse assunto. Dei pra aprender sobre o uso do ciúme. Faço sobre o tempo um movimento infecundo, por isso a serenidade que (tarde dará, mas) trará dos bons frutos: costumo usar frases colocadas no óbvio da gente quando invento que não estou em aí: invejas tomam até os monges, até os tetos dos montes, até a posição das marés. Estou de sentinela a vigiá-las.

Sei que olhas tanto a outros moços. E isso não me incomoda, eu até apoio...

Aí me agiganto.

Achava que acharia para sempre essa coisa de cuidado, carinho, flores e sonhos, bobagem demais. Achei. Mas respeito quando me vens e me desejas boa sorte. Seja na prova, seja na vida. Recebo-a como cuidado, carinho e flores, o sonho: deixo-me por conta do acaso, e fico de pesquisar as origens das flores que recebes. Pena – para ti – que muitas das frases nos cartões não são das mais criativas. Pena mesmo. Mas são coisas dos nossos dias, nem todo mundo é tão evidente.

Se sorris, mal sabes tu o que desperta. Se mexes tu até comigo – que, insisto, jamais falei de amor até aqui –, saber tu o que mal sabes: olha-te. Mira-te a ti, sabes tu que não sou mero amigo, mas amigo sou: daqueles que cuida, sabes tu, amigo que por ti de tudo faz. E nada em troca pede, a não ser que, a ti, tu te gostes. Dá o teu jeito, já que podes. Pois a única forma de gostar de mim de fato surgiu uns dois ou três anos atrás. De lá para cá, só tenho cultivado esse amor-próprio. Mas, repito: não é o amor que tanto tenho, nem é de amor que tanto falo.

Empreste as tuas melhores histórias, mesmo as que com os outros tipos viveste? Prometo colecioná-las como quem guarda o vosso sentimento original! Pois, como sabes, eu não me incomodo, se estás feliz, feliz aqui estou também! A tua alegria é o que me convém. O caderninho e as cores... Lembra?

Sigo a linha: seja verdadeiro, invente a própria história.

10/98.