Emoldurado

As vezes eu enjoo de mim e saio sem avisar aos outros. Saio para esquecer por um instante minha personalidade insuportável. Lamentável. Saio assim, meio as pressas, de modo que eu nem me aviso desta ausência momentânea.

Sou um eterno pasto onde pastam as memórias dos descrentes que rodopiam num mesmo compasso. Sou obra de um passado remoído e retrógrado , sou obra retrô.

Durante o dia eu não temo a morte, acredito que sou um homem de sorte que esta eminência não vai encontrar. Mas, quando as luzes se apagam e sou só mais um no breu, me falta um baluarte qualquer, mesmo que com pouca rigidez. Esta noite o gládio já não é mais meu e por este luar recuo meu batalhão.

Me encontro disposto em um mosaico colorido, encostado na parede junto ao chão. Lá estou eu , enquadrado em pequenos quadradinhos. Me apego a alguns badulaques bem antigos pregados em uma coluna, obra provável de um andarilho qualquer que passava, o dono daquilo tudo os comprara, coisa de alguns trocados. Eu me apego em coisas vãs de outro tempo e não sei desapegar. Deve ser esse meu problema, dou amor para as coisas fúteis e esqueço do que realmente importa. Não sei o que importa. Alguém bate à porta e não se demora entrar. Olha algumas estantes e contempla meus badulaques mas não os leva. Por hora não sei onde estou, sei que não me encontro mais encostado na parede junto ao chão.