A Saída
O velho não queria mais sair de casa havia um mês. Estava com ares pesados sentado na varanda, olhando as abelhas copularem perto das orquídeas roxas do muro da vizinha. Sua cadeira de balanço mal dançava, que seus pés já não tinham mais tanto apoio. Cansava de rememorar as estripulias de menino moço, rememorava tanto que adormecia, tirando os pés do chão na nostalgia e logo sonhando.
Fora bonito, magro, alto, dentes fortes. Pena não ter estacionado na idade de vinte e cinco anos. Agora estava enrugado, desdentado, a mastigar as gengivas resmunguentas com a dentadura frouxa. Sentia-se até mais baixo na estatura, encolhido. Por isso, quando não alcançava o piso e a cadeira parava de embalar, ele acordava com um susto. Em movimentos bruscos, enfurecidos, depois desse solavanco, empurrava o corpo para trás como que dizendo para si mesmo:
- Ora, eu ainda agüento!
Sua retina cansada repousou. Desta vez sobre os portões enferrujados da casa, tentando encontrar em cada corrosão a sua razão de ser. Morava ali há tantos anos... Casou, teve filhos, faleceu a mulher. O primogênito, David, foi seguir carreira de músico no exterior. Esse aí devia estar tão bem ou tão na pior, que nem mandava mais notícias ao pai decrépito. A caçula, Ana Maria, com três meses de grávida, fora viver com o primeiro namorado. Provável este ainda não ter sabido da criança. Mas preferia Ana como filha, nunca escondeu. Bom, o Natal estava próximo e seria um dia de poucas visitas. A não ser que morra alguém de véspera, além do peru. Seria um pretexto sedutor para deslocar os parentes mais distantes, uma inusitada atração turística, como haviam de supor. A pobre ave já percorria em círculos o quintal, como que prevendo um fim. De quem seria? Estava taciturna.
Não entendia por que esses acontecimentos todos eram sempre tão fugazes. Toda tomada de atitude parecia tão instantânea com sua lógica quente, quanto o café amargo que ele mesmo coava e fervia, para sorver todos os dias em que se mantinha de pé. Seria simples assim a existência? Não acreditava, só a enxergava passageira por detrás das lentes grossas.
Enquanto se aprende a guiar e quando, enfim, tomam-se as rédeas curtas desse carro selvagem, a vida está sentada no banco do passageiro ou esta, por ser passageira, põe-se a correr do seu lado. Não só bastava esperar na curva da estrada aonde vai o vento, mas deveria surgir de uma tempestade, de um ímpeto, acenando para a carruagem. Alta velocidade. Caberá apenas ao motorista reparar ou não neste sinal de vida, optar por dar carona ou não a ela, bela e solitária, portando uma única mala à mão. Pista molhada. Última passagem ou um beco sem saída. A escolher.
O velho então parou, foi-se desprendendo da cadeira lentamente e com o mesmo susto que antes o punha desperto, ergueu-se de repente. Este olhou não mais para um só ponto, mas a todo seu redor com aquele olhar resignado de despedida. Caminhou em passos firmes desta vez, sobre as pedras seculares do jardim, em direção aos portões. Lá chegando, deixou cair todos os suores e lágrimas a banhar sua íris irrequieta em mil cores e pôde vislumbrar, enfim, além da ferrugem.
PAOLA FONSECA BENEVIDES
Conto premiado e publicado em coletânea:
I Concurso Literário Natércia Campos
Premius Editora - Fortaleza, Ceará