DO PAPO PRO FATO

Do papo pro fato são outros quinhentos: eis uma insígnia da modernidade. Ninguém supôs tratar-se de algo a ver com o mundo demudado. A garota, jovem de pelo e alma, ousou tirar umas fotos nuas e enviá-las ao acaso: o menino que lhe atiçava o coração. Quem, na idade ainda mal vivida, já trata o hedonismo por troféu? – sexo deixou de ser mero prazer há tempos! Quem, na idade consumada, por sua vez, não transmuta a juventude ao próprio espelho? Qual o mal da garota, se dos idos aos vividos somos aquela reticência exibida de nós mesmos? Qual a falha da garota, se nós os velhos também sonhamos que nos usem como hedonistas velados? O garoto, então, pendurou impressões dos retratos por todos os cantos vistos: viram os amigos, viram os parentes, viram os educadores, viram os desavisados. A menina foi vista por quem jamais deveria: como não se pretendia, aos montes, à vista. O menino, vencedor oculto de uma história que denuncia o mau acabamento da humanidade, sorriu com pose digna de reverência e cumprimento. Às vezes o condenavam, mas parecia casualidade. Quanto a ela, nem preciso citar o que ocorreu. Fez você mesma – pessoa que lê – o seu julgamento pausado e prévio. A moral vem pronta e tem capa de irrefutável. Essa história é simples, quando se tem tecnologia da comunicação à facilidade do toque: o humano se encosta e se acossa e se instiga sem que haja contato de fato nem risco à pele. Isso é a dádiva do tempo, o mundo todo se conhecendo. Fato por fato, agora os quinhentos do papo: perdemos a paciência e entramos no jogo infinito. Não gosta do atalho da conversa? – delete! Detesta-lhe o perfil mais ousado? – apaga. Saberemos sair do costume? Mas, saberemos apagar quem devemos e ainda nem somos? Há botão de delete em qual teclado vivo da vida? Médicos do futuro: entendam que o motor da gente não desliga. Policiais do amanhã: deletar um problema não é atirar nele. Professores de sempre: ninguém ensina nada através dos botões. As teclas apenas redigem a vida – pois, como ela deseja ser vista. E a menina das fotos? O que tem nisso a ver com tudo? A aba do mundo não esconde o sol por completo, fato é que de papo em papo, via por vida ou via internet, ainda é um trava-línguas que não foi destravado desde os medievais passados. Estamos presos ao castelo, mas só nos cabem as masmorras. Portanto, enquanto nos guardarmos tão natos a nós mesmos, haverá sempre um pequeno lago em torno, com o dragão e sua chama na boca. E quem tentar escapar, ao obter o sucesso receberá as devidas vaias do restante covarde que fica.