Indiferença geral

Ele se prepara para algo desconhecido; veste a calça, calça os tênis, passa desodorante, veste a camisa e arruma os cabelos com as mãos olhando no espelho. O compromisso é fora de casa, a qual o prende como uma gaiola dando segurança, limitação de espaço, banho quente, colchão macio e privacidade. Sair pela porta da frente é libertador mesmo com todos os benefícios inerentes aos cômodos – estes são delimitados por paredes frias, antigas, pintadas e ouvintes. Trancar a porta do lado de fora é dar um pseudofim e um verdadeiro esconderijo a tudo vivido no refúgio diário. Dar as costas à estrutura física e psicológica daquela residência permite a ele respirar com leveza idêntica à brisa do mar, ao tecido mole do vestido que cobre o corpo dela, ao óleo que se mantém sobre a água.

Pisar na calçada e dar os primeiros passos vagarosamente em direção ao destino, o objetivo não sabido, é o maior desejo no momento. Ao redor várias ruas, caminhos possíveis sem barreiras fixadas pela fala, o contrato ou a ideia dirigida; imagens vão e vem, estão e estavam; pessoas diferentes com panos distintos escondendo os corpos multiformes, seguindo rotas com início, meio e fim, com justificantes do estarem ali, indo, falando, parando, comendo, comprando, pedindo, pagando, perguntando. Muito acontece dentro das amarrações da cultura e ele não vê a hora de estar flutuando sobre tudo isso, passando entre os entes do mundo vendo, mas não se envolvendo, e sendo o foco da indiferença geral.

Depois de escovar os dentes, entende que pode sorrir no espelho e sair para ser completo lá fora; pronto para não sabe o que. Ele vai. Deixará tudo para trás, sumirá e emergirá triunfante entre e para além das coisas do mundo, mas não entrará na esfera do sagrado. As pernas o levarão sem hesitação para a caminhada constante entre as vias de mão dupla, as calçadas pisadas pelos calçados dos pés cansados dos atrasados do meio dia – estes não importam, antes disto, comportam o que ele verá e nem se dão conta.

Chega ao fim a contemplação do próprio semblante no espelho e inicia-se a fuga, a descoberta e a flutuação na via urbana.

Jessé
Enviado por Jessé em 01/03/2014
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