A expectativa

André acorda por volta das 09:00h em uma sexta-feira e logo se lembra da festa na casa do Paulo, seu amigo de escola, marcada para as 22:00h já fazia uma semana. Ao molhar o rosto com a água da pia do banheiro pensa em Júlia, uma garota de cabelos negros, pele clara indicando macies, rosto simétrico e delicado, lábios levemente avermelhados naturalmente e olhos escuros penetrantes; a qual certamente iria à festa naquela noite. Assim como André, essa garota de estética envolvente e comportamento independente sem exibição em excesso, também gosta de ouvir a banda Pormenores. Sabendo disso através de um amigo seu, André já se certificou que música dessa banda na festa não faltará e periodicamente pensa em situações onde conversa com Júlia sobre as músicas, as letras e suas próprias interpretações sobre a obra desse grupo de rock.

Dando continuidade à rotina carregada de sentidos justificantes de seus esforços diários o jovem com habilidades criativas invejáveis, troca de roupa, prepara os poucos objetos que usa no escritório de advocacia onde é estagiário, se senta a mesa do café posta pela irmã horas antes, encerra o jejum noturno e se dirige ao ponto de ônibus dois quarteirões de sua casa refletindo sobre, e flutuando em cenas mentais, às quais se entrega como encantamento esquecendo-se que é o próprio autor, diretor e até mesmo a fonte de onde emanam os atores.

Tal filme sem película conta a história de um garoto inteligente, bonito, sociável e encantador que conhece uma garota extrovertida, linda, envolvente e engraçada em uma festa. No desenrolar da típica comédia romântica, ambos os personagens entram em uma sincronia verbal semelhante ao desempenho de um casal de dançarinos experientes interpretando um lindo tango. Não há espaço para tremor, mão suada ou palavras engasgadas nessa interação social; o sujeito, o verbo e o objeto direto empregado são aceitos e reforçados por um sorriso composto por lábios úmidos e rosto corado expressando bom constrangimento. O suspiro prolongado de André era inevitável.

O relógio marca 19:00h. O dia mais longo de sua vida e menos produtivo, chegava ao fim e descontroladamente o estagiário do escritório do Dr. Ramos havia montado todo o espaço amostral, ou todas as possibilidades, daquela noite. Quando seu relógio marcava 21:30h André já estava pronto e a caminho do bairro Babilônia, o qual ficava bem distante do Nova Capital, onde morava. O trajeto foi torturante, pois Júlia, o ambiente, as pessoas, o clima, música, a bebida, as respostas de seu corpo e seu próprio comportamento foi idealizada por André; nem havia chegado à metade do caminho e estava todo suado.

A chegada à tão esperada festa foi tradicional e ritualista, pois frequentemente, Paulo, ao contrário do Pedro cantado por Raul, promovia festas em sua casa e André sempre comparecia. O imóvel era bem projetado com cômodos amplos, decorados curiosamente, pintados com classe e bom gosto, acompanhados de uma piscina e um telhado meia água que cobria uma mesa de sinuca convidativa onde mulheres aprendiam a arte do bilhar com os homens altos. André cumprimenta os de seu circulo de relações físico-sociais e deixa de lado muitos das interações rede-sociais, vasculha os vários ambientes do evento e não encontra Júlia, passa pela terceira vez perto das alunas de bilhar e se dirige discretamente a Paulo.

Ela não tinha ido à festa e após a confirmação do anfitrião as horas seguintes foram vazias, frustrantes, tristes e realistas. A música se tornou chiado, as conversas tomaram forma de gritarias e a chama alimentada com lenhas de expectativas se transformou na fumaça da ilusão pela combustão química da existência imprevisível e apenas vivível. A partir desse dia, André passou a lutar internamente para não ter expectativas.

Jessé
Enviado por Jessé em 27/02/2014
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