Confissão da Humanidade
Hoje, pela manhã, fiz o que não deveria fazer e não fiz o que seria bom fazer; por isso lamento. Mas, adianta lamentar? Há alguma utilidade na lamentação pós-ação ou inação? Talvez tenha e meu lamento seja digno de orgulho e admiração, mas do mesmo modo pode não ter e assim minha lamentação é fútil, inútil, desnecessária, um verdadeiro desgaste psíquico.
Estar entre essas duas opções que eu mesmo construo é estar dividido. Existo multidivido e os caminhos possíveis, os meus pedaços, são fragmentos dos quais sou a origem e eles me atraem uma vez que minhas produções são prazerosas, atrativas a mim. Eu me reparto em tantas formas, gostos, cores, cheiros, gestos, estilos, hábitos e escolhas que tenho medo de me juntar.
Dividido, busco uma referência para sair dessa desorientação. Mas, que garantia terei sobre a qualidade dessa referência? Não há solidez na indicação, pois torto estava antes da fala e torto continua após o dito. Esse dizer é interpretável, onde há interpretação está escancarada novamente minha divisão, e antes da minha teve a do orador, do falante, do referencial. E, além disso, a orientação na qual me apoio nada mais é do que uma das minhas partes. O meu dedo aponta, mas na verdade se aponta.
Sou um labirinto no qual eu mesmo ando. Não sei. Fato é que estou dividido e existir assim é pior que estranho, é responsabilizante. E pensando bem, realmente é isso, assim é a realidade tanto do mundo quanto do que sou – nomeio as coisas e faço o que sou. Mas se faço o que sou e sou um labirinto, faço-me um labirinto. É angustiante pensar que faço a minha própria divisão, construo os caminhos do labirinto, me despedaço. Não tenho amparo muito menos desculpa. Porém, e sou otimista em pensar assim, ao mesmo tempo tenho a potência total de fazer de mim, Humanidade, o que eu bem quiser.