A MOLECADA DA RUA DA PONTE

A MOLECADA DA RUA DA PONTE.

É imperioso avisar, que apesar dos fatos serem verdadeiros, os nomes dos moleques são fictícios.

Rua Marechal João Baptista Mascarenhas de Moraes, cidade de São Gabriel, terra natal do Comandante da FEB, que nasceu na antes chamada RUA DA PONTE, no número 451(embora alguns afirmam que foi em uma outra ou seja na quinta casa da esquina com a rua Tristão Pinto. Mas isto não importa para a história da molecada que vivia naquela rua. Éramos mais ou menos uns dez moleques (no rio Grande do Sul, são denominados de “PIÁS”.) que foram chamados de pelos moradores mais velhos de “Terríveis” graças as artes e bagunças que faziam.

A Rua da Ponte, era nosso reinado. Ali, existiam os cinamomos de mais de 70 anos, na época, cinamomos estes que eram nossas “Trincheiras, nossos navios, tanques” e ainda o QG da turma, bem na esquina com a já mencionada rua Tristão Pinto.

Mas vamos apresentar os Protagonistas. “O Gigante de Calças Curtas” que tinha mais ou menos 1,8 m, mas andava sempre de calças curtas, O Cabelo de Fogo, que era também vizinho do Gigante. Os irmãos Tapir e Tacir, que eram filhos de um oficial do exército, o “Queré”, filho do dono de um bar e da cancha de bocha e jogo de osso, o “Feioso” filho de um “Turco”, como eram conhecidos os emigrantes árabes, na cidade, e ainda o Pedro Três Pernas e o Alemão Narunda, sem contar comigo e meu irmão mais moço, que éramos chamados de “Os gordinhos”. O que acharam do elenco?

Vamos então as ações, as quais, comparadas às executadas hoje, pelos moleques podem ser consideradas inocentes.

O Gigante de Calças Curtas, era filho do proprietário de uma sapataria, e ainda para aumentar a renda, vendia “Mocotó”, cujo encargo era de ir de casa em casa, perguntar se iam querer no domingo. Mas na maioria das vezes, a turma acompanhava ele, que de bobo não tinha nada, então distribuía os locais para cada um. Nós cansados da esperteza dele, nos reunimos e combinamos que, ninguém iria perguntar nada, mas informar para ele que todos queriam comprar o produto. Ele levava a notícia para o pai, e este mandava a mãe fazer bastante, pois iria ter um bom dinheiro. Quando chegava o domingo, lá ia o “Seu Mané” fazer as entregas. Imaginem o que acontecia quando as pessoas diziam que ninguém tinha ido lá oferecer e não queriam. Pobre do nosso amigo, que além de ser surrado, ficava de castigo. Mas depois, o Gigante acabava rindo também, e tudo voltava ao normal.

Havia, na quadra entre as ruas Tristão Pinto e Celestino Cavalheiro, um intervalo que fora feito pela Prefeitura para as carroças e os poucos carros que existiam poderem fazer retorno. No local havia um “Poste com uma Lâmpada” onde nós chamávamos de “LUZ”. Vamos lá na luz brincar de Baleia. A Brincadeira consistia em um ficar no meio do intervalo, e os outros tinham que atravessar a rua sem ser pego. Aquele que fosse pego tomava o lugar da “Baleia” e assim passávamos o tempo até que os pais chamassem.

O mais interessante nessa história, é que bem na frente do intervalo tinha um morador que não gostava do barulho. Este morador era um “Turco” irmão do Pai do Feioso, que abria a janela e começava a gritar e vinha com um “pinico” cheio de xixi e jogava na turma, nunca conseguia acertar, pois a janela era pequena e mal cabia uma pessoa. Um dia, o “Cabelo de Fogo”, não sabemos como, descobriu que o Turco iria sair na porta com o “pinico” cheio para jogar em nós. Então o Alemão Narunda, que sempre tinha boas ideias, combinou com o Feioso, que era sobrinho, de colocar na soleira da porta, que tinha um degrau, algumas cascas de banana. Não deu outra, de noite, quando fomos lá na Luz para brincar de Baleia, de propósito, fizemos mais barulho. Não demorou muito, o Turco saiu pela porta com o objeto perigoso, para nos jogar, porém escorregou nas cascas de banana, e caiu, junto com o pinico, que derramou nele próprio. Foi uma risada só, e Turco começou a xingar na língua dele, com palavras que não entendemos, mas o Feioso, que sabia falar árabe, nos disse de que estávamos sendo xingados. Mas não ficou só nisso. O Turco era também proprietário de uma câmera fotográfica, daquelas chamadas “Lambe-Lambe”. Do lado da casa do Turco, morava outro da turma, que esqueci de mencionar, era o “Turugo”, que tinha um pátio grande, onde jogávamos bola. Várias vezes a bola caia para o Pátio da nossa vítima e ele brigava dizendo que ia rasgar a bola se caísse de novo. Pois um dia a bola caiu, o Turco pegou, rasgou a bola e jogou de volta. Nós queríamos nos vingar. Então lembramos da Câmera “Lambe-Lambe” e esperamos ele sair. Quem mais sofria com a gente era o Feioso, que era o menor de todos.

Perguntamos a ele se sabia líder com a Câmera, pois era sobrinho, e o Turco o havia ensinado como bater chapa. Então combinamos de pegar as chapas que o mesmo tinha no galpão, e tirar fotos nossas pelados. Claro que cobrimos o rosto com panos e o feioso começou a bater as chapas, uma a uma, cada qual mostrando a bunda e os “contrapesos”.

No dia seguinte o turco foi de casa em casa fazer queixa para os pais e mostrou as fotos da turma, mas só aparecia as partes íntimas, pois o “Feioso” fora esperto e abaixou a lente para não aparecer o rosto.

Uma coisa que nós gostávamos de fazer era subir nos cinamomos, na Primavera, quando ficavam bem copados e ninguém podia nos enxergar. Havia um casal e namorados, que ficava próximo da luz, mas que com a copa das árvores ficavam na penumbra. Nós, sempre às quartas feiras, que era o dia que o namorado vinha e ficavam os dois na porta, ou, ela na janela e ele do lado de fora. Conversavam, como era o costume dos namorados na época, pois não havia a liberdade de hoje, e esperávamos o momento certo. Quando ele olhava para todos os lados, nós nos preparávamos, e na hora do beijo toda a turma gritava ao mesmo tempo “GOOOOOL”, ela fechava a janela e ele saia correndo sem saber o que fazer.

Outra coisa que fazíamos era escolher as casas onde tinha “campainha” tocar e sair correndo. Claro que a pessoa da casa vinha abria a porta e como nos via correndo começava a xingar. Isto cada dia um tinha que tocar a campainha de algumas casas. Quando chegou diz do Feioso, na casa que ele tinha que tocar a Campainha era alta e ele não alcançava. Como quem não tocasse tinha que pagar uma “prenda “o Feioso esperou passar alguém que pudesse alcançar o Campainha. Nisso vinha pela calçada o “Galo Capão”, que era um pastor de uma Igreja protestante, e que era outra vítima da turma.

O Feioso chamou o Pastor e pediu que ele tocasse a campainha. O coitado tocou e o Feioso disse para ele que corresse pois a mulher era muito braba. A mesma era uma viúva, já passada nos anos, deu um xingão no indivíduo com o que a turma não parou mais de rir. Aliás o Galo Capão, era, como disse acima, outra de nossas vítimas, e nos gostávamos, de perturbar os cultos na saída. O Narunda, tinha pego uma batina de um dos Maristas, cujo ginásio era em frente, e onde estudávamos. Naquela época havia muita rivalidade entre as religiões, então o Narunda vestiu a Batina e em pleno Culto, entrou e gritou: “Eu sou o novo Bispo e vim aqui para transferir este Pastor, que anda tocando Campainha nas casas e abusando com a molecada. Todo Mundo ficou mudo, e o Narunda mal teve tempo de correr, pois o pessoal queria pegá-lo para surrar. No dia seguinte o Narunda e o Pedro Três Pernas, pegaram a carroça do Armazém do Pai dele, e foram provocar o Galo Capão, que saiu para a rua e gritou: “Aonde vão os Três”, ou seja o Narunda, o Pedro e o Burro que puxava a carroça. Ato Contínuo o Pedro respondeu: “Temo indo buscar pasto pros quatro porque temo vendo que tu tá percisando, com essa magreza, só com pasto bom pra engorde.”

O tempo foi passando e a turma crescendo mas, sempre unida e matutando alguma coisa nova. Descobrimos que o Cabelo de Fogo, agora com 16 anos, e já taludo, tinha uma namorada que estudava no “Colégio das Freiras”, que era como chamávamos a Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, dirigido pelas Irmãs de Santa Catarina. Essas irmãs, usavam um hábito preto com um peitoral e a testa Branca. Então o pessoas dizia que eram as “Pampas” fazendo alusão ao gado “Heford” que tem o peito e a testa branca e no Rio Grande do Sul é conhecido como “Gado Pampa”. Mas voltando ao namoro do Cabelo de Fogo, nós demos a ele a ideia de fazer cantar serenata para as internas. Ele concordou e nós começamos todas as noites a cantar sem fazer barulho. Porém o Narunda e o Gigante de Calças Curtas, começaram a cantar versos meio bagaceiras. As Freiras então gritaram que iam chamar a polícia na próxima vez que fôssemos lá. Então o Feioso, que já estava meio grandinho, deu a ideia de nós fazermos uma coisa que ninguém jamais ia esquecer. Para isto era necessário parar as serenatas por um tempo. Arquitetamos um plano para o qual teríamos que contar com o meu Irmão mais velho, que era Seminarista, e estava passando uns tempos na cidade. Nós o chamávamos de “Padreco”, e sabíamos que ele tinha apreendido a tocar piano. Foi aí que combinamos de pedir pro “Marasca”, que era bem mais velho e dirigia o caminhão do pai dele, para nos ajudar a colocar um piano que o Narunda tinha em casa, mas que ninguém tocava. Para isto esperamos um dia em que os pais do Narunda viajaram e colocamos o piano no caminhão. A turma então resolveu ir falar com o “Padreco” e pedir para ele nos ajudar a dar uma serenata bem decente para as Freiras e as Internas. Dissemos a ele que somente poderia tocar músicas religiosas, pois queríamos nos limpar com as Irmãs. No dia marcado, falamos com o Marasca, e ele trouxe o Caminhão com o Piano. Subimos todos na Carroceria, e mandamos o Padreco tocar quando estivéssemos na frente da Escola Perpetuo Socorro. O Feioso ficou cuidando na esquina para ver se não havia guarda noturno (uma espécie de vigilante que existia nas cidades). O Padreco começou a tocar e nós a cantar. Aí as freiras que já estavam de sobreaviso, chamaram a Polícia. Claro que o Feioso, viu o delegado e dois brigadianos entrarem no Jeep (A Delegacia ficava a umas duas quadras do colégio.) Nós descemos e corremos, mas o Padreco que nada sabia, e na sua ingenuidade continuou tocando umas músicas sacras. Então o JEEP da Polícia chegou e pegaram o Padreco. Ele que não sabia de nada começou a chorar, e o Delegado vendo quem era, passou um “Sabão” nele, que tentava explicar que ele fora convidado para tocar e agradar as freiras.

Para terminar a história da Serenata, foram chamados os pais na Delegacia, pois o “Padreco” entregou toda a turma e nós fomos admoestados pelo Delegado, que no fundo no fundo, estava rindo e se divertindo pela ideia da “MOLECADA DA RUA DA PONTE”. Esta história foi parar no Seminário onde meu irmão estudava, e por pouco não foi expulso. Não preciso dizer que por um bom tempo nos contentamos em brincar de Baleia e Bater nas Casas e correr.

A MOLECADA DA RUA DA PONTE, foi crescendo, alguns foram para o exército, outros foram estudar na Capital, mas nas férias sempre nos reuníamos na LUZ. A Saudade, foi o que ficou, pois a LUZ, apagou-se, os Cinamomos foram arrancados, as Pedras irregulares da rua foram cobertas pelo Asfalto e o Turco morreu, o Galo Capão foi embora, e o Internato das Freiras Fechou. Atualmente eu moro na Capital, mas sempre que posso vou até a Rua da Ponte em São Gabriel, e sinto aquela nostalgia e a lembrança de um tempo que o próprio tempo levou.