O Beco

Numa madrugada escura, o gato observava o rato a procura dum abrigo, enquanto isso, os barulhos dos carros sufocavam meus pensamentos.

O Beco

Naquela madrugada havia poucas pessoas na rua, via-se apenas a silhueta de alguns frequentadores de bares, a jogarem conversa fora, entornando copos de cerveja, gesticulando com as mãos, suas aventuras.

Sobre o que falavam, não fazia a menor ideia, a não ser que entrasse num desses bares, mas ai quebraria o mistério do silêncio, e o gosto de andar só naquela madrugada fria. Preferi ficar observando da calçada, onde tudo parecia distante e vazio. Andava, pensava, e ouvia meus passos, sem ao menos quisesse chegar logo ao meu destino, deparei-me com um beco. Sabia que não era um lugar mais indicado para vasculhar, mas algo ali chamava minha atenção, e por mais que relutasse não conseguia tirar de meus pensamentos dali. O que deveria haver de tão extraordinário assim, para arriscar minha integridade física, num simples beco sombrio? Senti que algo se moveu, minha alma gelou, e fiquei paralisado por uns dez longos segundos.

Voltei a respirar tranquilo quando vi que era apenas um gato, mas olhando com mais atenção, notara que não se tratava de um simples gato de rua. Seus olhos estavam atentos para um ponto na calçada, e seu rabo balançava lentamente, e de repente seus olhos se voltaram para mim, tão silenciosos e misteriosos como aquela madrugada. Percebi logo de que eu era um intruso, e estava tirando sua concentração, mas não foi isso, ele apenas queria mostrar-me algo. Parecia ler meus pensamentos, e eu os dele. Sem muito o que questionar, voltei a olhar aquele ponto em que o gato estava fitando antes de interrompe-lo.

Imaginei logo que se tratava de um simples roedor, porém fui surpreendido com um rato florescente, que ficou parado entre nós, sem demonstrar medo.

Será que algum desocupado pintara com tinta luminosa esse roedor, ou embaixo desses encanamentos pode haver elementos radioativos? O rato parecia tão confiante, destemido, e consciente de seu estado, e ai deu alguns chiados e voltou para seu esconderijo.

Sai dali sem ter as respostas cabíveis para o fato inusitado, mas agora apressara meus passos, a fim de voltar mais rápido possível para o apartamento. Tão logo que entrei na sala de estar, tirei os sapatos, coloquei os chinelos, pus o pijama, escovei os dentes e fui me deitar. Fique com aquele rato luminoso em minha mente, mas logo veio o sono e sonhei com um ordinário rato cinza sendo devorado pelo gato do beco escuro.

Ao acordar na manhã seguinte, senti que o mundo real pode entrar dentro do mundo dos sonhos, e vice-versa.