Marília

Marília encheu o copo de vinho até quase transbordar, então, com seus lábios tocou-o com delicadeza e sugou para dentro parte do líquido. Os lábios molhados de vermelho contrastavam com as bochechas marcadas por traços cinzas provenientes do rímel que derretia ao correr das lágrimas.

A cozinha balançava de um lado para o outro e sua cabeça pulsava com o bater rápido do coração. Na mesa, os grãos de pó branco eram as estrelas do mármore negro. Marília despejava mais e em seguida suas narinas queimavam, o pó umedecido era um verme branco escorrendo pela garganta e amargando todos os sonhos que Marília conservava. Cantora, sustentava seus sonhos nas cordas vocais que vibravam ao som do soul.

”A fama sempre traz os vermes” pensou Marília. “Os frívolos, os interesseiros, traz a amargura” e mandou para dentro mais um gole do vinho seco. Sem sutiã, arrancou de seu pescoço a joia que nele estava, seus seios balançaram com o movimento e sua mão arremessou-o sobre a mesa de mármore negro.

Negra como o mármore, Marília tocava a rocha e desejava ser tão fria quanto, mas artistas nasceram com a sensibilidade aflorada, são manipulados pelos sentidos e pela sinestesia da arte, o que é a obra que Marília está construindo senão a representação do seu estado de espírito? E o que é esta obra senão sua própria vida?

Marília não viveu muito. Morreu na mesma noite e sua história se encerra com um copo de vinho e uma dose de cocaína.

Ohana Lopes
Enviado por Ohana Lopes em 28/08/2013
Reeditado em 30/11/2013
Código do texto: T4455909
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