CONTAR OU CANTAR?
VIVER...
Madrugada.
Penso escrever um conto...
É preciso revelar a beleza de uma vida – minha vida.
Amanhece o dia, a idéia persiste. Sento em minha cama e a caneta nos dedos do pé começa a transpor para o papel, para o real, o meu pensamento.
Como é bonito o poder do pensamento – voar, partir, voltar!
Fujo do presente e volto ao passado, vivo o momento.
É o recomeçar; tenho cinco anos, sou deficiente, fisicamente, mas com um interior dinâmico e feliz.
Adoro desenhar, imaginar.
Que valor tem uma cabeça perfeita, um pensamento que direciona!
Brinco, sou birrenta, defendo-me como posso, se preciso... uso até os dentes.. bobeou...nhoc.
A minha cidade?
É pequena, acolhedora, turística e a religiosidade predomina.
Olha! Vai haver festa!
É festa ao Divino Espírito Santo; em casa a euforia, somos os organizadores.
Religiosidade?
Não. Certeza, opção de vida, fé adulta e consciente, paz... eis o meu lar.
A sabedoria que vem de Deus ao invés da sabedoria, apenas humana, da cultura.
Simplicidade e amadurecimento como sinônimos de meus pais.
Vou falar deles:
Minha mãe, psicóloga por natureza, com a ajuda de meu pai, um líder, criou-me , educou-me como criança normal, sem cuidados exagerados, só o suficiente para tornar-me segura e feliz.
Hoje sinto o importante papel de minha infância; a auto-realização e a tranqüilidade são frutos de pensamentos direcionados na fé.
Caminho, confiante, transmito sensibilidade com a força de vontade, arte e criatividade, invento, descubro-me a cada novo instante.
Ora sou alegre, ora sou triste, rio, angustio, caio, mas também levanto, sou e vivo uma vida normal!
Faço um estudo de minhas capacidades e limitações.
Tudo leva-me a relembrar...
Cinco anos, tenho febre e terríveis dores nas pernas que não andam e que já foram determinadas para operações futuras.
Tenho dores...choro...digo que vou andar ou morrer.
A inocência de uma criança, a vontade, a certeza, a confiança.
E a festa...?
Último dia de festa, sou proibida de sair, mas...quero e vou acompanhar a procissão.
A birra, o choro constante, venço pelo grito e vou nos braços de alguém. Peço para descer, grito novamente, assusto...vou para o chão...começo a andar...dar os primeiros passos de minha vida.
A vontade de uma criança aliou-se à intervenção divina, todos vêem o prodígio, o Espírito Santo e uma ação concreta. Ali.
Caminhar... e não morrer.
Caminhar para o bem.
As pessoas, de repente, percebem um pouco mais do que religiosidade, percebem a presença de Deus iluminando uma criança.
A Medicina não encontra respostas, simplesmente aceita perante os fatos e radiografias. Seu poder é limitado diante do ilimitado.
Os anos passam, a arte de viver, alicerçada em Deus, cria meios de sobrevivência, descobre dons, persiste, luta e vence. Valoriza o dia-a-dia como a maior descoberta, o maior milagre; nas pequenas coisas aprende cada vez mais a amar e ser amada.
Já não é apenas um invento, um conto; é um cantar à alegria de servir, amar e viver!
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Maria Goret Chagas relata, neste conto, o grande milagre de seu "caminhar", aos cinco anos. Publicado em março de 1989 na Revista Unifran. Goret aposentou-se como professora da Unifran – União das Faculdades Francanas – Franca – SP. Atualmente é Artista Plástica e Palestrante Motivacional Integrante da Associação de Pintores com a Boca e os Pés.