Bastião Fei
 
          Num domingo de chuva nasceu Bastião. E nasceu feio, muito feio! E o pior é que, contrariando as expectativas da exasperada mãe, à medida que o tempo passava e Bastião crescia, mais feio ficava. Ficou conhecido na Aldeia da Ponte por Bastião Fei.
          Conta-se até que, de certa feita, Bastião foi passear com o tio Honório no Rio de Janeiro, e sabe como é, carioca gozador, não perdoa mesmo. A todo lugar que ia, as pessoas se espantavam com tamanha feiura, e claro, não perdiam a chance de fazerem seus maldosos comentários; e em se tratando dos espalhafatosos cariocas, é de se imaginar que tais comentários fossem feitos às gargalhadas, em alto e bom som.
          Na pacata Aldeia da Ponte, Bastião não ligava para seu apelido de Bastião Fei; não que gostasse, mas percebia que a alcunha era como uma forma carinhosa dos conterrâneos o chamarem. Mas ali, no Rio de Janeiro, terra estranha, de pessoas tão diferentes, sentiu-se humilhado. Sentou-se no meio da rua, em pleno largo da Carioca, e desabou a chorar. Uma solícita senhora que passava, vendo o rapaz se debulhar em lágrimas no meio da rua, condoeu-se dele a ponto de perder um tempinho no caminho para o trabalho. Sentou-se ao lado de Bastião e perguntou por que ele chorava assim, em praça pública. Bastião enxugou as lágrimas e fitou por alguns instantes a bondosa senhora que se preocupou com sua dor. Sentiu-se à vontade para contar a ela sua triste sina de ser desprovido completamente dos padrões sociais de beleza:
          _Ah, Dona. Eu tô choranu pruquê eu sô muito fei. Acho qui sô o homi mais fei do mundo.
          A boa samaritana tentou consolá-lo, contando uma história que tinha ouvido de uma cunhada vinda das terras das Gerais.
          _Não fique assim. Não é tão grave como parece. E também, não pense que tu é o homem mais feio do mundo. Eu já ouvi dizer que lá em Minas Gerais, tem um homem muito mais feio que tu.
Bastião animou-se:
          _É meso? Lá ni Minas? E quem é esse cabôco qui cunsiguiu sê mais fei qui eu?
          A senhora sorriu ao responder:
          _Bem, eu não o conheço não, mas dizem que é de uma cidadezinha pequena, chamada Aldeia da Ponte, e o nome dele é Bastião Fei.
          Bastião Fei juntou suas trouxas e voltou pra sua terra no mesmo dia. Jurou nunca mais ir à cidade grande.
          Mas as desventuras de Bastião Fei não terminaram aí. Os cochichos das matronas, os risinhos maldosos das mocinhas, e a cruel perseguição da gurizada, o faziam sofrer em silêncio. Chorava escondido, embrenhado pelas capoeiras no sopé da montanha.
          Assim seguia a vida de Bastião Fei, chorando pelos cantos, sofrendo calado, até o dia que conheceu na quermesse uma mocinha de nome Lucilete, que não era lá essas coisas no tocante à estética facial e corporal, mas para Bastião Fei, era uma verdadeira princesa. Começaram um namoro. Bastião Fei estava nas nuvens. Nunca imaginou que algum dia, uma mulher, ou qualquer outro ser vivente, pudesse olhá-lo com desejo. A tia Izaltina, que era uma mulher dotada de peculiar sagacidade, vislumbrou a felicidade nos olhos de Bastião e indagou o motivo de tanta alegria. Bastião contou a ela que estava namorando Lucilete. Ela não hesitou:
          _Tá veno, Bastião? Eu num falava procê? Sempre tem um pé torto isperanu um chinelo véi.
          Bastião não se magoou com tia Izaltina. Sabia que ela só estava querendo ser gentil, e ademais, andava muito feliz para se magoar com esses comentários que, aliás, ouviu a vida inteira. Perto do que já havia escutado ao longo da vida, o comentário da tia Izaltina era até um elogio.
          Mas Bastião Fei só tomou consciência, de fato, da enormidade de sua extrema feiura, quando sua própria mãe, ao saber de seu namoro com Lucilete, aconselhou-o:
          _Bastião, meu fio, se eu fosse ocê, eu garrava nessa muiezinha que cê tá de namurico e casava cum ela di galope, pruque ocê é meu fio, mas ocê é fei, viu Bastião!
          A partir daí, Bastião nunca mais ligou para os comentários maldosos. Sempre que alguém o importunava, respondia sorridente:
          _Num é só ocê qui acha, não. Inté minha mãe acha. Mas a minha muié gosta um bucado di mim!
          E assim, a despeito de toda sua feiura, Bastião Fei casou-se com Lucilete, e juntos, puseram uma dúzia de pequenos e alegres feiosinhos no mundo...
 
Aleki Zalex
Nov/2012
Imagem: Construção do autor através do Paint
Aleki Zalex
Enviado por Aleki Zalex em 17/06/2013
Reeditado em 21/07/2013
Código do texto: T4345555
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