AMOR NÃO SE PARTE
Jota, 15 anos, menina.
Agá, 15 anos, o interesse de Jota.
Não é fácil descobrir a vida quando o corpo pede, a vontade exige, mas o receio domina. Tampouco nunca será simples atender o que a nossa natureza escreve, principalmente porque para outros já aconteceu e parece ter sido tão simples.
Jota assumia desacreditar em amor, as amigas não assumiam que desacreditavam nela. Todos os bilhetes, pedidos para ficar, convites para sair, recados em redes sociais, tudo era rechaçado por Jota. Ela pouco os recebia, bem verdade, mas mesmo os que não tinham endereço definido – boa parte deles – eram abatidos pelo desânimo bombardeiro de Jota.
Sentiu-se deslocada da roupa ideal por bastante tempo. Abortou olhar-se ao espelho inclusive quando para colocar o penteado em dia. Sorria sempre, frequentava as diversões noturnas como quem de quinze anos aprende. Tinha opinião compartilhada no intervalo, nas casas das meninas, em viagens, natal e no rolezinho com a galera do sábado após o almoço. A vida era normal. Os relacionamentos aconteciam. Os fatos eram os mesmos. Jota era igual às outras todas, apenas detestava os papos românticos.
Mas agora o interesse dela é por Agá, e ninguém vai muito com a cara de Agá, pois não possui bom jeito, nem clareza no olhar, nem vontade em aprender, nem consegue bem cheirar. Agá não apresenta rima, não lhe há qualquer traço de poesia. Até acontecem algumas garotas em sua vida, mas ainda assim nele parece não morar dignidade que baste.
Ela precisava caber em outra calça, fez esforço de desmaio para tal. Dobrou-se ao reflexo de Narciso e pintou-se com discrição de corrigir retoques. Tornou-se assim como nunca foi. Renovou perfumes e sorrisos, recobrou a infância, postou-se altivamente adulta. Passou por Jota diariamente sem que fosse assim notada, ainda assim, considerava-se recompensada por poder ali estar. Insiste que o amor é um ser inexistente, e as amigas agora desconfiam de sua sanidade.
Um tempo, uma festa. Fazia alegria no coração de Jota, todo mundo deverá se divertir, e Agá lá está: o DJ da noite. Ela fez reflexo de sacudir a vaidade alheia, esteve bela como nunca antes se havia achado. Passou por Agá o tempo inteiro, desta vez ele até acenou em meio à batida eletrônica. Ela despachou sorriso atrás de sorriso, irradiou a segurança de quem gosta e é correspondido. Ele nada fez além do aceno. E precisava mais?
Precisa.
Jota tem clara certeza de que Agá sabe de seu interesse, mas Agá jamais se interessou por nada que não lhe fosse ele. Jota não era a menina dos padrões, e Agá não sabe ver nada além do que é determinado. Jota queria um beijo, e Agá queria vodca. Agá era o DJ e foi agarrado por duas garotas. Terminou a festa abraçado a uma delas. Jota passou algumas vezes em frente, e ninguém mais a percebeu.
Quando deu segunda-feira, todos estavam na aula, e Jota chegou cedo, sentou-se ao meio de ninguém, fez que nem percebeu quando os outros colegas entraram na sala. Estava com a pintura no rosto usada para o sábado, trazia ainda o cheiro da festa colado em sua camisa. As amigas decretaram-na a necessidade de socorros médicos. Os meninos continuaram a não reparar. Jota abriu o caderno, desenhou um coração, colocou as iniciais “J” e “H” no centro. Percebeu que o fez com tanta força que marcou a madeira da mesinha.
O mais incrível é que o rasgo desenhado ao mais forte punho possível cortou o coração de papel, mas não marcou a mesa. O coração sim ficou lá, intacto. Mas a marca que parte o coração a mesinha não quis aceitar.
Jota não passou a acreditar no amor. Pelo menos não dessa vez. Da mesma maneira que nunca entendeu que diabos o coração tem a ver com esta história.