Fragmento I - O Convento Das Santas Virgens
O velho chamado Nikólas Kúpris e seu pupilo, Guiullerm Gabriell, são exímios ladrões, e tornaram-se milionários através dessa prática insólita. São eruditos e figuram com grande pompa entre os nobres da burguesia, das artes, da política, das conquistas científicas e das filosofias ocidental e hindú.
Um outro dia, ainda pela manhã, Nikóllas juntou Guiullerm pelo braço e o arrastou até a catedral para ensinar-lhe a mais importante regra de seus ensinamentos cléptomaníaconecessários; o perdão divino.
A basílica era muito grande e bela com suas pedras medievais cinzentas até mesmo aonde erguiam-se as torres dos sinos babilônicos. Em seu interior ela parecia ainda maior. Em todo o teto havia a obra de um grande pintor renascentista de pseudÔnimo Morte. Na pintura existia a imagem de anjos e luzes, deuses confabulando com homens e homens cegos procurando por Deus em um céu infinito feito de vida. Guiullerm ficou extasiado, admirado, pois nunca em sua vida havia solicitado a entrada na casa de Deus. Os ricos e coloridos vitrais que representam a morte do Cristo abduziram seu olhar inerte. Percebeu peças de puro ouro e logo desenvolveu um plano para se apropriar delas, afinal de contas eram todas fúteis e desnecessárias perante o deus que ele imaginava. Havia uma imensa bancada construída em nobre marfim revestido por um verniz escuro e de brilhante requinte. Na sacristia estava o trono do sacerdote, e sobre, e ao redor dele uma grande e fulgurante nave em cor dourada.
Alguém de cabeça baixa, um homem sentado de costas usando vestes escuras, dedilhava deprimente réquiem ao som do orgão que se propagava harmoniosamente. Da cúpula gigantesca penetrava a luz das dez horas.
- Veja, mestre! Apontou Guiullerm para o alto do altar do templo.
- Há um pássaro se debatendo em vÔo no cume da clarabóia.
- É um pombo, seu ignorante. Ele deve ter sido usado na última missa de ontem e o deixaram aqui para que preencha de paz a sacristia.
O pombo todo albino então passou a sobrevoar os bancos com um bater estrondoso de asas. Em seguida fez uma breve escala sobre uma estátua de Nossa Senhora, "A Santa Virgem." Quando alçou vÔo novamente o pombo deixou depositado sobre o manto petrificado da santa uma quantidade notável de suas fezes a escorrer até a face inerte e morta da imagem.
- Este pombo vai acabar é fazendo merda na cabeça de alguém. Disse Guiullerm. Que seja na cabeça daquele músico infeliz então, não mestre Nikóllas?
- Bata na própria boca, seu blasfemo desgraçado, seu filho de uma puta, homem de provérbios lazarentos. Estás na casa de Deus, ser errante.
- Crê que blasfemo ao pronunciar a palavra 'merda'?
- Assim tu estás convidando o diabo para entrar na santa casa. Ponderou Nikólass, ainda aborrecido.
- Pois quem, então, haverá de ter criado a merda?
- Foste o diabo? Guiullerm em expressão irônica.
Na verdade, mestre, o diabo está já há milênios vivendo nos cantos não iluminados deste templo. É verdadeiramente uma pena cruel que não possa vê-lo e nem senti-lo. Se o pombo representa a paz, sua merda, que faz parte da criação única, estará o acompanhando, não é mesmo? A inevitável merda que jamais deixou de se fazer presente em nosso interior. Aonde quer que estejamos lá estará nossa merda para nos acompanhar. Estou muito longe de blasfemar, mas Deus também faz merda. Vê como isto é complexo, mestre Nikóllas? Por fora o homem julga ser o mais belo e sábio entre todos os animais, e, no entanto,assim como neles, seu interior fede a carnes e escrementos apodrecidos. Blasfêmias se constroem com atos e fatos, e não com anódinas palavras mal interpretadas.
"Este é um pequeno fragmento de um romance em que estou trabalhando."