Compra
Precisava de seu cigarro, abandonara qualquer tentativa de se salvar. Procurava em seus bolsos e suas gavetas qualquer um dos seus isqueiros. Nada. Saiu debaixo de chuva para comprar seu palito de câncer, usava umas botas grossas, calça jeans e estava encapuzado para evitar se molhar demais.
Havia bastante tempo que não dava nem uma mísera tragada sequer, à essa altura estava enlouquecido pelo vão que ficava entre seus dedos. Não havia porquê não ceder ao prazer, poupara-se todo esse tempo pra que o mundo não perdesse mais uma vida, e ainda assim não se salvou. Morto por uma incompatibilidade, almas que não se misturavam, que não conviveriam juntas; um morto quase saudável, saúde boa, mas sem vida. Aquele sangue que percorria suas veias e artérias o matara, um rio envenenado, mas livres das toxinas do prazer. Queria apenas um sopro de alívio.
As pernas moviam-se apressadas, as mãos trêmulas de ansiedade roçavam o dinheiro no bolso da calça. Enxergava mal, guiando-se pelas ruas baseando-se nas fracas luzes dos faróis dos carros que trafegavam; assim estava bom, ninguém conseguiria distinguir as gotas de chuva de suas lágrimas.
Foi forte todo esse tempo, independentemente de acreditarem em sua força ou não. Resistira mais até do que era capaz de suportar, mas nada do que fez poderia, de fato, mudar o curso da história, estava condenado à morte, com ou sem cigarros, as suas hemácias acabariam por mata-lo.
- Um isqueiro e duas carteiras de cigarro, por favor.
Pois bem, não importaria mais o quanto de nicotina infectava seu corpo; nunca se sentira tão bem, mesmo morto, conseguiu lembrar-se de como era estar vivo.