Minha decadência humana
Acordei com minha cara azeda de sempre. Escovei os dentes e aproveitei minha indisposição para tirar a minha barba crescida. Hoje é sábado e, ao contrário da maioria dos caras da minha idade, não acordei em meio a uma ressaca, afinal não saí para beber na sexta a noite. Como de costume, fui até a cozinha usando apenas a samba-canção que eu uso para dormir, tomei meu café com leite e comi umas torradas. Há um dia longo pela frente, um dia e tanto, totalmente vago. Puxei uma cadeira para a varanda e acendi um cigarro.
Há tantas pessoas que se chateariam com isso, pessoas que eu não gostaria de magoar, mas sei que a fumaça que eu trago acaba por mata-las mais do que mata a mim mesmo. Não sei onde estão essas pessoas, mesmo que elas não saibam dos meus cigarros, sinto-me como se as matassem a cada sopro; seguindo por essa lógica, além de suicida sou um assassino, ao que parece. Sinceramente? Não queria que fosse assim. Porém, especificamente para este momento, o cigarro é o meu melhor analgésico para as frustrações da vida.
De trago em trago meu maço novo chegou ao fim. Meus pulmões cheios e minha mente vazia; e o que é pior: o coração vazio em trapos. É o auge da minha decadência humana.
Pensando bem, ao contrário de meus pulmões negros e minha mente vagando perdida por ai, um coração vazio pode ser bom. Quer dizer, de fato, é muito bom, mas quando se acostuma com ele assim, quando não se sente que há algo faltando, algo importante faltando.
Aproveitava meus últimos tragos quando o interfone de meu apartamento tocou, o porteiro do prédio anunciava que uma menina estava ali para me ver; ele disse o nome dela. Eu queria sorrir; sorrir por ela estar ali me esperando e eu sentia saudades; saudades, não dela, mas de sentir meu coração completo, meio nervoso ou ansioso assim. Mas eu não sorri. Eu me recusava sentir abalado pela presença dela e uma hora isso passará. Eu sei que passa, sempre passa. Apenas preciso de um tempo para me apaixonar por alguém , espero que por mim mesmo, mas sempre se encontra alguém novo que deixa seu coração nervoso e você o entrega sem hesitar. Arrisco dizer que "infelizmente".
Eu não preciso disso. Tomei fôlego e disse com a minha voz ainda seca "diga a ela que eu não estou" e desliguei. É, acho que estou cuidando de mim novamente. Tomei meu coração de volta.