Simples descrição

Moro em um apartamento pequeno, quarto e sala, bem antigo com três andares e com a eterna aparência de que desabará a qualquer instante; não fica em nenhuma Avenida Paulista ou Rua Augusta ou qualquer um desses locais digno de ser citados em novelas ou texto do Caio Fernando de Abreu, não tem grande importância, é apenas uma ruazinha sem nome feita de paralelepípedos que é fácil de imaginar o Sherlock Holmes descendo de uma carruagem rústica aqui em frente.

Quanto a mim, sou fotógrafo, mas não um fotógrafo da National Geographic, e sim daqueles que ganha o suficiente para não criar dívidas se souber abrir mão do mínimo de luxo. Está chovendo e não posso sentar na janela e encostar minha cabeça no vidro enquanto assisto corridas de gotas de chuva porque estou muito ocupado espalhando baldes pela casa onde os pingos invadem minha propriedade e alguns panos nas próprias janelas para absorver qualquer água que infiltre.

Eu tenho um cachorro, um vira-lata que tirei da rua quando filhote, seu nome é Richard; Não é nome de cão, eu sei. Ele late dia e noite, às vezes durante a tarde também, mas eu gosto dele, ele me faz companhia sempre, traz a bola de volta para mim e senta quando digo para sentar. O Rick, como o apelidei, tem medo de trovoadas, então em noites assim, como a de hoje, ele deita do meu lado na cama e espera que eu o proteja da fúria de Zeus. Outra coisa que descobri sobre o Rick é que ele não gosta de minha barba, quando não tenho tempo de fazê-la, ele evita lamber meu rosto.

Agora estou na cama, sentado, com Rick tremendo em meu colo enquanto bebo chocolate quente, está passando acidentes e assassinatos no telejornal que estou assistindo, como sempre, com meu CD de jazz favorito tocando como música de fundo. Sabe, sempre achei intrigante a forma como as pessoas lidam com os noticiários; estes nos informam dos perigos e riscos aos quais estamos expostos, mas eles não retratam toda a realidade, existe outro tipo de vida que não cabe aos jornalistas relatar, nem tudo dá uma boa manchete, entende?

Deve ser por isso que os livros são sobre pessoas que moram em bairros famosos, fumam e se embriagam, e não sobre caras como eu. Minha vida não dá uma boa história.