*A origem do mandacaru

A origem do mandacaru

Antes da chegada das caravelas cabrálias, não existia espécie alguma de cactos no Brasil. Isso causa estranheza, principalmente porque sementes conduzidas por aves migratórias poderiam ser germinadas em solo brasileiro e encontrar ambiente ideal para a proliferação.

Passaram-se muitos anos até que, com a introdução das Capitanias Hereditárias, uma grande fazenda foi implantada no colimite do que são hoje os Estados do Piauí, Tocantins, Bahia e Maranhão. Tal fazenda, de nome Évora, destinava-se, especialmente, à criação de gado, mas de resto produzia de um tudo, para suprir as próprias necessidades, embora de forma rudimentar. Pela sua localização geográfica, ficava longe de tudo, o que tornava inviável a fuga dos escravos que, segundo se falava, era de duzentas cabeças.

O dono da fazenda era um português de, aproximadamente, sessenta anos, esguio, alto, de barba espessa e com visíveis pelos no tórax. Era um sujeito misantropo até a alma, que perdera todo e qualquer sentimento de cordialidade no momento do corte do cordão umbilical. Os escravos eram tratados ao rigor da chibata, o que não era novidade alguma, se não fosse o fato de que qualquer falta era grave. Não havia condescendência.

A alimentação era das piores, pobre em nutrientes, muito aquém da correspondente para o trabalho exigido. Quanto aos esforços, o dono da fazenda era ainda mais inflexível. Cativo algum poderia fazer corpo mole, procurar uma sombra ou inventar que iria beber água. A água era servida com hora marcada, de acordo com o seu pensamento. O labor era de sol a sol e ele mesmo costumava fiscalizar no campo o andamento dos trabalhos diários. Não se sabia os motivos de seu permanente mau humor, fato que era comentado até na Casa Grande, baixinho entre seus familiares.

Não se sabia ao certo como se chamava esse senhor, apenas que ele atendia pelo insólito nome de Mandacaru. Casado com uma senhora muito mais velha, corria o boato de que ele visara à fortuna que ela herdara da família e, ao que parecia, viera corrido da Europa, o que justificava o fato de se ter homiziado naqueles cafundós. Como já foi dito, era de todo mau, não se vendo nele virtude alguma e a “praga” que nele atiravam era de que um dia viesse a morrer afogado, para pagar às tantas vezes em que deixara os escravos sedentos ao sol do meio dia.

Para quem acredita nisso, o prato é recheado, porque numa sexta-feira 13 de agosto, o tal Mandacaru escorregara num barranco do Rio Parnaíba e, não sabendo nadar, viera a óbito numa parte rasa do rio. Morrera viúvo, com quase cem anos, e com o incrível vigor dos quarenta.

A notícia causou mais alegrias que lamentos, mais comemorações recolhidas que pesares manifestos, mais sentimentos de alívio que lamúrias, tanto que, temendo algum motim, o corpo fora enterrado fora das cercas do cemitério, à margem de uma estrada carroçável que dava para o Norte.

A fazenda ficara sob a administração de dois de seus filhos. A vida melhorara muito entre os escravos e capatazes, inclusive na produtividade. Fora estabelecido um período de descanso maior e, aos domingos, ninguém mais era obrigado a trabalhar.

Passaram-se cerca de quinze meses, quando a fazenda foi abalada por uma notícia que deixou a todos de cabelo em pé, porque uma coisa muito esquisita acabara de acontecer na cova do Mandacaru, provocando uma imediata corrida ao local.

O que se viu foi inusitado: a cova estava aberta, sem vestígio algum de cadáver. De dentro, brotara um vegetal desconhecido, esguio, verde, completamente recoberto por grandes espinhos, com dois galhos apontando para os céus, como se dois braços fossem. Tudo era especial e uma coisa dava para notar de cara: Não fornecia sombra para o descanso e retinha para si toda a água existente.

Foi quando alguém gritou apavorado:

O Mandacaru ressuscitou...!

Isso é inequívoco: O mandacaru não permite sombra nem encosto, retém água, resiste a qualquer intempérie e não morre tão facilmente.

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Filosofia de botequim:

Na terra de alhos, não seja nem bugalhos nem bagulhos.