ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (Final)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (Final)
Rangel Alves da Costa*
Ao descer mais uma vez até ali, a querubim nem procurou se apresentar diante da mulher, agora mais parecendo uma velha sentada na sua cadeira de sempre. Já sabia como ela estava, também sabia que não adiantava mais fazê-la prometer nada. Havia prometido demais, tanto durante a visita noutros tempos como intimamente.
E nada adiantou, e nada parecia adiantar. A própria querubim já havia recebido ordem superior para deixar apenas que o destino se cumprisse. Não restava outra coisa senão entregar naquelas mãos o seu próprio futuro. A intercessão divina agora se bastava no já escrito.
Pessoas existem que merecem atenção e cuidado especial lá de cima, e por isso mesmo recebem proteção um tanto diferenciada. Eis o reconhecimento por uma vida afastada o quanto possível dos pecados. Mas tal olhar não possui qualquer valia quando o livre arbítrio da pessoa tudo faz para seguir por caminhos que não deveria.
Era realmente uma situação difícil de entender. Tudo havia sido feito para motivá-la, colocar em sua mente que poderia viver de uma forma bem diferente, conhecendo outros lugares, outras pessoas, outros modos e costumes. Não precisava abandonar sua moradia, mas também não poderia ficar ali enclausurada como insistiu em permanecer.
E num quarto fechado, sombrio, sem a penetração da luz da vida e da realidade do mundo, sempre tenderá a escurecer mais ainda, e cada ponto de luz que for avistado será tido como algo que vem para assustar. Assim Crisosta permaneceu desde o falecimento dos seus e do mesmo modo insistia em continuar até o fim dos seus dias.
Diante dessa situação, com a certeza de que dispunha somente de um instrumento para utilizar, antes de entrar na casa a querubim foi até o local onde a pedrinha permaneceu durante aqueles anos todos, sempre esperando que a mão de sua dona fosse buscá-la, recolheu-a e se ergueu com ela à mão. Já sabia muito bem o que fazer no instante seguinte.
No momento seguinte já estava dentro da casa e ao lado da indiferente senhora. Tocou-a no ombro, passou a mão pelos seus cabelos, chamou o seu nome. Crisosta, Crisosta! Ela ouviu, voltou o olhar para a visitante e os seus olhos se encheram de lágrimas. Coisa difícil de acontecer, mas neste momento a querubim também chorou. E cortou o silêncio para dizer:
“Oh, minha filha, o que fizeste da tua vida! Em nada se parece com aquela que anos atrás conversei por tanto tempo ali fora, ali mesmo naquele local adiante da janela. Lembra? E lembra também sobre o que conversamos e as promessas que fizeste? Ora, minha linda, Deus tanto se alegrou com o que prometeste, e muito tristonho ele está agora pela vida sofrida que decidiu carregar. Como boa filha, estará te esperando sempre, mas gostaria que não fosse agora, não fosse tão cedo. Mas tudo ainda depende de você, isso ele me garantiu. Oh, o pai misericordioso sempre dá muitas oportunidades às pessoas de bem, de bom coração, que são virtuosas aqui na terra. E o que fará agora, minha linda, hein, diga-me? Pode continuar com o teu silêncio que compreendo muito bem. Até já ouço tuas doloridas palavras. Partirei agora, esperando revê-la qualquer dia, mas antes trouxe um presente. Estenda-me a mão. Tome, segure isso aqui. Depois de eu partir olhe para sua pedrinha, o seu amuleto que tanto gosta, converse com ele e decida o melhor a fazer. Até...”.
Num segundo e a visitante desapareceu. Ao ouvir sobre sua pedrinha, se encheu de contentamento. Foi realmente despertada para uma realidade que desde muitos anos não experimentava. Abriu a mão, começou a acariciar o pequeno objeto e diante dos seus olhos e, como cenas de filmes, começaram a surgir situações maravilhosas na vida. E em todas, ela feliz, correndo, brincando, conversando com pessoas, caminhando por lugares maravilhosos.
Fechou novamente a mão e começou a pensar sobre tudo de bom que não havia feito na vida, as oportunidades perdidas, o quanto poderia ter maravilhosamente vivido se não se entregasse somente àquela vida fechada, reclusa, feita prisioneira do tempo, ali em eterna vigília do silêncio e da solidão.
Ainda pensava sobre tudo isso quando olhou adiante e viu aquela mesma pessoa com a sua feição, e que não podia ser outra senão ela mesma, toda vestida de preto, roupa longa abaixo do joelho, de mala na mão, e dando adeus. Depois se virando e pegando a estrada.
“Me espere, me espere!”. Gritou Crisosta. E completamente enlouquecida saiu correndo naquela direção. E pela estrada eram duas, mas uma só. Não se sabe se ela mesma ou a outra, mas um vulto seguia ao longe, de vestido longo e preto, levando mala e destino na mão.
FIM
Poeta e cronista
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