ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (81)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (81)

Rangel Alves da Costa*

Uma nova mulher ou não, verdade é que depois do banho Crisosta resolveu que deixaria o sol e o vento secar o seu corpo. Não precisava nem de panos nem de toalha, nada que forçasse a saída daqueles respingos d’água tão reanimadores.

Depois foi lentamente até o quarto, retirou o velho espelho da parede e veio com ele até o quintal, pertinho de onde havia tomado banho. Pendurou-o num pé de pau e, ainda completamente nua, olhou sua pele e suas curvas de cima a baixo. Uma mulher, uma perfeita mulher.

Estranhamente não havia ficado nenhuma marca das muitas causadas pelas pedras, espinhos, garranchos e troncos. Enquanto caminhava na direção do local onde ficou por mais de seis dias entre a morte e a vida – tanto parecendo uma coisa como outra -, feriu-se, machucou-se, ficaram lanhos horríveis pelas pernas e braços.

Na verdade, as feridas começaram a desaparecer já no dia seguinte que caiu desacordada. Na manhã desse dia a pele já estava toda limpa e sedosamente bela como costumava ser. Por isso mesmo que agora se olhava e se encantava com o seu próprio corpo.

Contudo, enquanto se admirava aconteceu algo totalmente inesperado que a fez ficar arrepiada dos pés à cabeça. Inicialmente não quis acreditar, mas quando ouviu um barulho estranho lá pela frente da casa se danou a procurar alguma coisa para se encobrir.

Avistou um vestido velho que estava estendido adiante, vestiu apressadamente e correu porta adentro. Ultrapassou a cozinha e seguiu apressada em direção ao quarto, tencionando trocar imediatamente aquele molambo por uma roupa decente e depois abrir a porta para saber o que tinha acontecido para ter ouvido aquele barulho.

Escolheu uma roupa que gostava muito, catou o pente junto à penteadeira, se voltou para o lado da parede onde o espelho ficava. Não estava no lugar, havia esquecido no quintal. Agora não dava mais tempo de ir até lá.

Ajeitou-se assim mesmo, penteou os cabelos, até lembrou, depois de tanto tempo, de passar um pouco de loção de alfazema que guardava num cantinho. Daria tudo para se olhar, para se espelhar, para ver se estava bonita e com os cabelos alinhados. Da vontade à ação, pois resolveu ir até o quintal buscar o espelho.

Assim que botou o primeiro pé fora do quarto ouviu uma batida na porta. Parou assustada, nem respirava direito para fazer silêncio. Mil pensamentos nesse instante, tanta dúvida, tanto temor. E começou a dizer intimamente, tudo tão rápido como ideia em sequência:

Meu Deus, quem será? Mas não pode ser. Ninguém aparece por aqui, nenhum vizinho ou viajante bate nessa porta. Mas ouvi o toque na porta, certamente alguém ou alguma coisa está do outro lado. Meu Deus, quem será, o que faz aqui, o que quer?

E imaginava tudo em segundos: Talvez seja a força do vento lá fora que faz um barulho assim parecido com alguém batendo na porta. Tantas vezes já pensei ter ouvido alguém chamando e quando abri a porta não havia ninguém, então deve ser a mesma coisa, apenas uma imaginação. Duvido que alguém tenha alguma coisa a fazer aqui pra se dar ao trabalho de caminhar até esse oco do mundo. Mas se for realmente alguém, o que essa pessoa quer? Meu Deus, meu Deus, olhai por mim, me proteja, que nada do que houver além daquela porta seja para o mal ou traga visita ruim!

Ainda pensava quando ouviu a segunda batida. Corou assustada, se manteve como estática. E logo a terceira batida. E não mais duvidou que realmente batessem na porta e que aquele toque era produzido por mãos. E se armou de forças para lá se dirigir.

Assim que ouviu a quarta batida gritou que já estava indo. Dois passos antes de chegar deu outro grito perguntando quem estava ali e o que queria. E do outro lado uma voz respondeu:

“Sou de paz, vim em paz. Não tenha medo. Mas se não quiser me receber não tem importância. Outro dia, quem sabe, você me receberá”.

Continua...

Poeta e cronista

e-mail: rac3478@hotmail.com

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