ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (78)

Rangel Alves da Costa*

Logo ao amanhecer do quarto dia, com ela continuando na mesma situação, as plantas já avançavam por cima do seu corpo, já encobriam partes das pernas, do tronco, da cabeça. E tudo parecia um pequeno e lindo jardim sobre uma formação corporal.

E as flores agora maiores, mais vistosas, mais coloridas, mais encantadoras. Nascidas ao lado do corpo e sobre ele se espalhando, pareciam dele também nutrir os elementos essenciais para tão rápido e misterioso florescimento.

Até que um pouco mais tarde o sol se fez mais forte do que nos outros dias. Não somente isso, pois parecia que havia descido mais, se aproximado mais da terra naquele ponto. E os raios se lançando fulgurantemente naquela direção, as flores foram todas perdendo a vivacidade, as cores, se fechando, murchando as pétalas e se dobrando de vez.

Em seguida soprou uma forte ventania e arrastou tudo que havia por cima e ao redor de Crisosta. Os cabelos balançavam, esvoaçavam de lado a outro, o corpo enfim, após o impulso de uma misteriosa força surgida, ficou com o tronco voltado para cima.

Com a ventania continuando com o seu sopro forte, os cabelos se embalavam ainda mais; e com os raios de sol incidindo com mais intensidade sobre o corpo, logo a pele perdia aquela estranha brancura dos desacordados e ganhava uma nova cor, um novo ânimo, um róseo-avermelhado que aos poucos se impunha como uma morenice clarinha. Uma cor tão própria entre os ribeirinhos e os que passam além do tempo debaixo do sol praiano.

Sem a cor defuntesca, a tez tumular, o que se podia avistar era a mulher novamente bela, encantadora, numa sublimazia de paz e adormecimento. De olhos fechados, cabelos largados ao vento, com os lábios já tomados de vida, parecia mesmo uma deusa agrestina apenas descansando ao relento, deitada na relva.

E de repente foi sendo erguida no ar. Bem lentamente, de modo quase imperceptível, teve o seu corpo levantado cerca de um palmo do chão. Assim ficou durante uns cinco minutos, para em seguida, ainda lentamente ir subindo ainda mais, e cada vez mais até desaparecer totalmente entre as nuvens.

Desde o primeiro instante que se desprendeu do chão, o sol pareceu aliviar a luminosidade. Nos cinco minutos seguintes tudo já estava meio sombrio, com as nuvens passeando ao redor, tomando conta de tudo acima dela.

Foi sendo erguida até sumir entre as nuvens. Não eram nuvens gordas de chuvas nem assombrosas de tempestades, apenas formações acinzentadas que ficaram esbranquiçadas assim que ela desapareceu lá dentro. E não demorou muito para as formações desaparecerem totalmente, com a mocinha em suas entranhas, e o sol voltar a brilhar.

Mais três dias se passaram com ela sumida entre as nuvens. Se através das nuvens se chega ao céu, ao paraíso, talvez ela tenha subido noutra escada lá dentro. E no passo leve dos inocentes já teria alcançado o portal da salvação. Mas tudo talvez.

Dizem que quando as pessoas morrem o corpo só tem a serventia para os vermes nas entranhas da terra. Nada mais do que isso. A partir do falecimento, somente o espírito continua vivo e procurando o melhor caminho a seguir. Se a pessoa foi boa na vida, se for merecedora de ser recebida no portal, logo caminhará ao lado dos que receberam a salvação.

Como se observa, o processo nada tem a ver do que aconteceu com Crisosta. Ninguém podia afirmar sobre a sua morte, não havia um corpo para ser sepultado, apenas uma pessoa que foi erguida até as nuvens e de lá tomado destino ignorado.

E se tivesse sido levada até lá em cima, e de lá encaminhada mais adiante, em direção ao portal do céu, então o chamado teria sido inverso de tudo aquilo jamais acontecido com relação à morte.

Mas se ela não havia mesmo morrido, por que erguida no espaço, levada até a nuvem, desaparecida tão estranhamente assim? E o que a esperava dentro da nuvem? O que lhe teria acontecido depois?

Somente ela poderia responder, ou jamais. Mesmo que o seu silêncio sobre os acontecimentos permaneçam para sempre, caberá a qualquer um pressupor situações e explicações.

Mas não seria realmente fácil, principalmente depois que na manhã do quarto dia após ser levada até o alto, se achava no mesmo lugar, na mesma clareira no meio do mato. Agora visivelmente adormecida, pulsando, dando sinais de vida.

Continua...

Poeta e cronista

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