ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (74)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (74)
Rangel Alves da Costa*
Os dois tentavam a todo custo acalmar os falecidos parentes da mocinha. Tarefa difícil demais diante de sentimentos tão desconhecidos como são os dos mortos. Desconhecidos, porém indubitavelmente existentes: o retorno, quando o mesmo acontece, já é uma forma de expressão de sentimentos.
O pai, agora tão velho e tão novo, porém sem face tão visível na qual se pudesse avistar a profundidade da lamentação, se mantinha com um lenço branco e enorme por cima dos olhos, cobrindo a cara, certamente chorando demais. Continuava como quando vivo, sempre um pouco afastado dos outros.
A mãe, agora mais velha e mais nova, tão anjo e tão mulher, jogava as mãos para cima implorando aos céus que ainda não chamasse sua filhinha, dizendo que ela ainda era muito nova pra se levada dessa vida. Fazia um verdadeiro sermão, uma defesa apaixonada da continuidade da vida, ao menos para sua filha.
E dizia, quase gritando silenciosamente, que ela nem tinha ainda experimentado o prazer da alegria para ter de beber do cálice da dor, que ela ainda nem tinha conhecido nada desse mundo para já ter que ir para o outro mundo, que ala primeiro precisava viver para depois morrer. Que não deveria haver um fim naquilo que praticamente ainda não havia começado nada.
Não seria o maior acerto divino chamá-la para o seu lado sem primeiro experimentar da balança da existência: no vaivém das coisas, os dias balançando pelos lados das tristezas e alegrias, dos encontros e desencontros, dos prazeres e dissabores, dos sorrisos e das lágrimas, das flores e dos espinhos.
Não seria correto que esse destino divinamente traçado já fosse cumprido tão cedo sem conter os percursos de todo destino, ainda que curto perante a existência: conhecer o amor, o prazer, a intensidade da vida, o pulsar da existência, o sonho, a busca, a satisfação, a esperança, o agradecimento, o fortalecimento espiritual, o sentir-se verdadeiramente presente na vida.
Não necessariamente com tais palavras, mas tudo isso dizia a falecida mãe de Crisosta na sua desesperada lamentação. Verdadeiramente se insurgia até raivosamente com aquilo que estava prestes a acontecer, com aquele chamado que agora estava conduzindo sua mocinha tão bela e ainda tão cheia de vida para o leito da morte.
A irmã, sempre se apertando ao filhinho envolvido em seus braços, não levantava a cabeça em nenhum momento, como se toda dor e toda lágrima tivesse de ser compartilhada com o seu anjinho. Criança passada para o outro mundo sem praticamente conhecer a luz desse mundo.
Aperreados com tal situação, num vexame que chegava à indignação, tanto o menino caçador como o irmão da mocinha, este também filho e irmão dos que estavam ali, tentavam tudo para que se acalmassem, para que vissem que o acontecimento marcado para Crisosta seria por desígnio superior, e que por isso mesmo nada do que pudesse ocorrer poderia ser contestado daquele jeito.
Verdade é que ninguém aceita, nem os vivos e até os mortos, que principalmente os seus sejam chamados dessa vida para outra. Do mais novo ao mais velho, sempre que a morte faz a visita e toma por companhia, o mundo desanda diante da revolta dos que ficam. Por mais que a morte seja o inevitável e conhecido destino, um futuro que ninguém pode fugir, ainda assim é contestada na escolha que faz.
Se a pessoa levada vivia em sofrimento, passando momentos terríveis e dolorosos na vida, ainda assim os seus contestam a morte afirmando da injustiça do ato; se alguma fatalidade parece chamar mais cedo a pessoa, então nem Deus deixa de ser culpado pelo ocorrido.
Do mesmo modo, se a pessoa simplesmente morre pela idade, vez que o longo percurso de vida aos poucos já vai deteriorando toda a força física, do mesmo modo os familiares haverão de dizer que não deveria ter sido chamado logo agora que dava sinais de querer continuar vivendo por muito mais tempo.
E qual o tempo máximo para o morrer, qual o prazo de viver, qual o limite da existência, e qual a beirada do desaparecimento? Neste sentido, toda resposta será vã, mero exercício de compreensão do inexplicável.
Verdade é que tudo seria muito mais doloroso se as pessoas pudessem virar as páginas do calendário para encontrar marcado o seu dia. Mesmo que ninguém possa avistar esse dia, tudo já está marcado. E seria aquele o dia de Crisosta?
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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