Quanta uva!
Moro numa cidade diferente, rural que não é do interior, e nem tão urbana quanto a capital. Aqui o que mais gosto de fazer é caminhar sem rumo por seus arredores, sentir o cheiro de mato e de fumaça de fogão à lenha, e ao descer a ladeira, dar de cara com a fachada de uma Lan House.
- Quanta uva!
Esta era a frase que eu mais ouvia das pessoas quando na minha infância, vinha passar férias por aqui. Pensava: - Como essas uvas vieram parar aqui?
Hoje, depois de passar boa parte da minha vida na cidade grande, resolvi mudar e respirar um ar mais saudável, optando pela qualidade de vida. Adoro pizza entregue em casa – coisa de cidade grande - , acompanhada por um bom vinho no jardim do meu quintal.
Numa noite dessas, estávamos eu e o Narciso degustando um belo exemplar chileno e conversando sobre vários assuntos, entre eles vinho e qualidade de vida.
- Você sabe que sou neto de italianos, né?
- Sei sim. - Respondi.
- Então. Meus bisavôs chegaram por aqui há muito tempo, numa época em que não havia nenhuma alma por estas bandas.
A região era conhecida apenas por que era trecho de ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro, e o desenvolvimento passava por aqui, mas não parava. Meus bisavôs que eram agricultores na Itália, vieram pra cá e compraram uma fazenda da região com a intenção de produzir uvas, e de olho no progresso, providenciaram tonéis para armazenar vinho, que eles viriam a produzir.
- Cara! Então o seu bisavô é um dos fundadores da cidade?
- Mais ou menos! O progresso só viria com a construção da ferrovia, e não pela produção da uva.
- É por isso, então, que a uva é o símbolo da cidade.
- É isso aí. E com a construção da estação de trem a região ganhou mais moradores vindos de diversas regiões.
- E antes do seu pessoal chegar?
Narciso deu um gole no vinho, petiscou uma pizza e continuou: - As terras eram das Missões das Carmelitas de Nossa Senhora da Ajuda e Nossa Senhora de Lourdes. Conta a história que até D. Pedro dormiu por aqui quando vinha do Rio para São Paulo proclamar a independência.
Tomei um gole de vinho bem servido, e fiquei idealizando a cena de D. Pedro atravessando a região com sua comitiva...
Ele continuou:
- Então, como outra cidade qualquer, foi crescendo com suas características próprias.
- É. Toda cidade tem a sua.
- O legal é que aqui a geografia ajudou no crescimento, e a imigração foi super importante.
- É. O que seria das cidades sem as pessoas vindas de outro lugar.
Narciso tinha a certeza de uma cidade, seja ela qual for, sempre abre as portas e recebe pessoas de toda parte. E eu também.
Tomamos mais alguns goles de vinho e jogamos mais conversa fora até que o celular do narciso tocou. Era a mulher dele, uma descendente de índios do amazonas que ele conheceu aqui na nossa cidade. Ele atendeu e em cinco minutos se despediu.
Eu realmente nunca havia parado pra pensar na importância da imigração para o desenvolvimento de uma região. Se não fossem eles, os imigrantes, muitas cidades simplesmente não existiriam. Já pensou se o tal tio do Narciso não vem com seus tonéis da Itália pra cá?
Gente de toda parte, Itália, Portugal, interior de São Paulo, das regiões mais pobres do Nordeste. Quando decidem sair de suas casas, de onde quer que seja, as pessoas não imaginam que terão participação ativa na história de um determinado local. Pensam apenas em seu bem estar, e em sempre lutar pra ter o melhor pra si.
É. Essa é a lição que aprendi hoje na minha conversa com o Narciso. Enquanto beberico mais um gole de vinho, penso em sua matéria-prima, a uva, e lembro:
- Quanta uva!
É a certeza de que se não fosse a família do Narciso, a uva não seria o símbolo da cidade.
Agora é esperar o mês de Março, pra que a cidade possa retribuir a todos os seus moradores com a Festa da Uva. E eu, tomo meu último gole e vou me deitar. Adoro vinho, não sei por quê!