ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (63)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (63)

Rangel Alves da Costa*

Com o tempo já escurecido, permaneceu de janela aberta enquanto se balançava na cadeira. Estava tranquila, em paz, como se houvesse tirado um peso muito grande da consciência.

Nunca mais havia estado assim. Que reconforto espiritual é o obtido depois que chama de volta as rédeas da consciência. Que viessem as consequências, que viessem os sabores daquilo que bem merecia ou os dissabores que provaria sem merecer. Agora seria ela mesma e agiria segundo o ideário de passo e fé. Isso bastava.

Levantou para aprontar um café, acender candeeiros e fechar a porta de trás. Antes de retornar à cadeira lembrou-se de fazer uma prece e acender uma vela ao pé do oratório. Desde muito que se ajoelhava para rezar e em seguida nem lembrava mais o que tinha rezado.

Agora não, já se pôs diante do oratório sabendo muito bem o que seu coração queria expressar naquele momento.

“Termina o dia e a ti entrego meu cansaço

Obrigado por tudo e pelo que virá no amanhã e sempre

Obrigado pela esperança que hoje animou meus passos

Obrigado pela alegria que vi na face da natureza

Obrigado pela força concedida quando eu já me prostrava

Obrigado também pelo sofrimento dissipado na névoa da esperança

Obrigado porque naquele momento de desânimo e tanta angústia e aflição

lembrei que tu és meu Pai

Obrigado pela luz, pela noite, pela brisa, pela comida, pelo meu desejo de

superação...

Obrigado pelos jardins que me destes, pelas flores que me destes, pela alegria

nascida de todos

Obrigado pelos jardins e pelas flores que não tenho mais, mas que recuperarei

tão belamente como a grandeza do Paraíso

Obrigado, Pai, porque me deste uma família, que de viagem me deixou sozinha

Obrigado até pela solidão que me faz encontrar a cada dia com a

a responsabilidade do viver dignamente para Ti e meu coração

Perdão, também, Senhor!

Perdão por meu rosto carrancudo

Perdão pela pouca fé, pela descrença, pela falta de oração, pelo esquecimento

daquilo que jamais poderia esquecer

Esquecer de Ti, do Teu nome, da Tua face, jamais. E jamais esquecer os santos,

os anjos, os sublimes guardiães que nos acompanham no dia-a-dia

Perdão porque não me lembrei que mesmo estando e vivendo sozinha

não sou filha única, mas tendo muitos irmãos que um dia encontrarei para o abraço

Perdão, Pai, pela falta de alegria, de felicidade e encantamento pelo que me rodeia

e porque não evitei aquela lágrima, aquele desgosto

Perdão por ter guardado para mim tua mensagem de amor e eu nem sempre a tenha

recebido e compreendido como deveria

Perdão pelos meus erros de mulher, pela minha inocência em tudo, pelo meu

jeito simples e humilde ser. Eis que sou assim mesmo, apenas sua filha

Perdoa-me, Pai, e abençoa os meus propósitos para o dia de amanhã

E olhei, Ó Pai, pelas almas queridas que se foram, por todos de minha família

e do meu amiguinho, e também aqueles que ao redor se vão sem o meu pranto a tempo

Olhai por mim, meu Senhor, guiai os meus passos entre caminhos e veredas,

seja minha sombra e minha luz, minha sina e meu destino, meu hoje e amanhã

E tudo o sempre, e para toda vida...

Que ao despertar, me invada novo entusiasmo

Que o dia de amanhã seja um contínuo e incansável sim vivido conscientemente

E que eu jamais desperte sem abrir a porta para a felicidade

Obrigada por tudo, meu Pai. E boa noite ao céu e a terra, seus entes e seus viventes”.

E em seguida cantou uma música antiga que falava de paz e felicidade.

Continua...

Poeta e cronista

e-mail: rac3478@hotmail.com

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