ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (34)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (34)
Rangel Alves da Costa*
O seu amiguinho, o menino caçador, estava ali estirado sem vida. Num impulso tão próprio dos desesperados correu para cima, gritou, chamou-o, bateu no rosto, balançou o corpo, mas nenhuma resposta.
Estava morto, o seu amiguinho havia deixado essa vida. Completamente entorpecida, desalentada, sem que os estímulos respondessem a nada, se curvou diante do corpo inerte e se pôs a chorar compulsivamente.
Maldisse a vida, maldisse a sorte, maldisse o que não deveria maldizer. Nem enxergava o cachorro passando a língua pelo corpo, acariciando com seu focinho aquele que era seu dono e amigo.
O cachorro latiu e Crisosta despertou novamente para a realidade. Ainda tomada de aflição, olhou de cima a baixo para tentar encontrar o motivo daquela tragédia. Encontrou, estava ali, perto da nuca, na vértebra por onde corre o rio da vida, a marca da mordida.
Não havia sido grande nem profunda, apenas uma dentada suficiente forte para afetar a parte interna do organismo, e de forma irremediável. Mas mordida de qual animal? Pouco importava saber isso agora, pouco importava saber se ferimento causado por onça, raposa ou guaxinim.
O fato é que o menino não havia suportado o ataque. Acuado na sua rústica cabana, no seu pequeno abrigo, não teve nem tempo de se defender. Correu deixando camisa e baleadeira, talvez com a mão sobre o sangramento, deixando aquelas marcas no chão.
Caiu mais distante, ainda tentando fugir, ainda pensando que o animal continuava no seu encalço. Com a queda o desmaio, o desacordamento, o fechar os olhos para nunca mais abrir diante de sua mata, daqueles bichos que foram seus amigos, diante da natureza, perante sua terra agrestina.
Feito louca, completamente desajuizada naquele momento, Crisosta saiu em desabalada carreira. Gritava pedindo socorro, pedia pelo amor de Deus que a ajudassem, se batia nos paus, tropeçava nas pedras, rompia garranchos, até parar sem saber mais o que fazer.
E pela segunda vez na sua vida repetiu: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?!
Após pronunciar tais palavras de aflição, sentiu chegar à sua mente uma ideia que era a única saída para aquele momento. Ganhou uma força que não tinha mais e foi em direção à estrada que levava até a casa do homem que havia vendido seu gadinho.
Estando na frente da casa, ao avistar a mocinha naquela situação, toda suja, com as pernas sangrando, descabelada, com a face da mais cruel aflição, correu ao seu encontro e perguntou que bicho lhe havia atacado.
Só conseguiu falar após tomar um copo d’água e sentar. Nervosa, se tremendo, com a voz entrecortada por soluços, enfim conseguiu relatar todo o ocorrido ao homem. Neste agora era nítido o sentimento de ódio, dor, sofrimento martirizando o espírito.
Ela fez o percurso de volta completamente emudecida, sem comentar um instante sequer o que o homem dizia a respeito do que poderia ter acontecido com o menino. E disse que provavelmente havia sido vítima do mesmo animal que já tinha matado um cachorro, um bode e um bezerro pelos arredores.
Segundo disse ainda, fosse o que fosse teria que tomar providências urgentes. Ele tinha mulher e dois filhos pequenos e não podia deixá-los à mercê desse danoso dos matos. Mas também não deixou de culpar os pais do menino, principalmente porque sob nenhuma hipótese poderiam tê-lo deixado ali sozinho.
O homem jogou o corpo nas costas e disse que o levaria até sua casa, velaria, arranjaria um caixão digno e depois o enterraria ali mesmo nos matos, no lugar onde ele tanto gostava de estar. Mas tal ideia foi imediatamente rechaçada por Crisosta.
Não admitia de jeito nenhum que o menino fosse velado senão em sua casa. Compraria o caixão, colocaria nele uma roupa decente, passaria a noite conversando ao seu lado e na manhã seguinte faria o sepultamento.
Continua...
Poeta e cronista
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