ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (31)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (31)

Rangel Alves da Costa*

Crisosta ficou tão desesperada em saber que a família havia ido embora e deixado o menino ali sozinho e entregue à própria sorte do mundo, que mal se despediu do homem.

Levou as compras pra dentro de casa e nem sabia mais o que fazer. Cortou carne, salgou, preparou comida, arrumou os mantimentos adquiridos, mas tudo como se fosse outra pessoa dentro dela fazendo aquilo tudo.

Estava fora de si, angustiada demais, num desespero que não conseguia mais voltar o pensamento para algo fixo. A não ser pensar no menino, pensar no menino, pensar no menino. E temer, temer e temer.

Tudo já em cima do fogão, cheirando, saboroso, e de repente saiu porta afora feito uma desesperada. Não conseguia mais continuar ali daquele jeito, só imaginando como poderia estar o seu amiguinho sem fazer nada.

Tinha que ir atrás dele, ver se conseguia avistá-lo nas estradas, por dentro da mataria, escondido nos casebres abandonados, até dentro dos buracos mais profundos. Acompanhada pelo cachorro, que certamente conhecia o faro do seu verdadeiro dono, começou a gritar assim que entrou no mato.

Como jamais havia perguntado o nome dele, gritava apenas pelo menino caçador. E perguntava aos berros se o menino caçador estava por perto, estava lhe ouvindo, se estava se sentindo bem, se estava precisando de ajuda. E repetia sempre que quem estava ali lhe procurando era sua amiga, aquela mesma que estava com seu cachorro.

Mata de seca é de arvoredo aberto, magro, com poucas folhagens, e por isso mesmo não era muito difícil de que sua voz ecoasse cada vez mais longe. Porém gritava e seguia de lado a outro, passando catingueira, angico, umburana, tentando vencer os galhos finos que se tornavam perigosos demais.

Quanto mais caminhava mais se feria de espinho, de ponta de árvore, de lança de pedra. Tanto tormento para vencer os mandacarus, os xiquexiques, os facheiros, as cabeças-de-frade. Maior cuidado do mundo para não roçar a pele nas urtigas e cansanções. E ainda o temor pelas cobras que certamente se escondiam nos buracos e locas de pedras.

Entrava nos casebres abandonados, revirava tudo que encontrava; passava pelos currais abandonados, olhava até dentro de velhos tonéis abandonados. Não havia um só lugar que não espalhasse o grito, não visitasse, não revirasse.

Já passava das duas horas que andava de canto a outro feito uma doida, aflita, cada vez mais desassossegada. Cansava, parava um instante; a sede batia, mas era melhor esquecer. Fome nem sentia em meio aquele aperreio todo. Sentia as pernas doerem, sangrar, dar pontadas. Seu corpo estava todo lanhado.

O mais incrível é que não encontrava ninguém que pudesse noticiar alguma coisa, não avistava vivalma que desse uma informação boa ou qualquer informação. Tudo ali parecia deserto demais, feio, esquisito, abandonado. A seca expulsando tudo, a estiagem tirando da terra o homem. Que coisa mais lamentavelmente triste.

Avistou urubu voando e correu na direção. Sabia que onde urubu começa a rodear lá por cima é porque tem coisa morta por baixo, tem carniça, restos deteriorados. Apressou a carreira e parava de vez em quando para ver se sentia algum cheiro estranho, cheiro da morte sendo comida pelos vermes.

Quando a podridão aumentou então sentiu que já estava bem perto. Os urubus já voejavam famintos ao redor, a morte adiante já se anunciava. E mais à frente avistou um cavalo morto, já quase somente com a carcaça e as aves de rapina por cima fazendo o banquete da imundície, da carniça. Menos mal, pensou. Respirou aliviada. Deus me livre de ao menos imaginar o que me destrói a mente. Confidenciou a si mesma.

Já estava cansada demais e nenhum resultado, nada de sinal do seu amiguinho. Não era possível que o mesmo estivesse por ali. Certo que ainda faltava muito onde procurar, mas seria impossível de encontrá-lo se ele estivesse ouvindo os gritos e não quisesse ser encontrado.

Mas de repente, quando já retornava por uma vereda, o cachorro riscou aos seus pés com latidos que mais pareciam dizer que vamos ali que encontrei alguma coisa.

Continua...

Poeta e cronista

e-mail: rac3478@hotmail.com

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