ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (28)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (28)
Rangel Alves da Costa*
Depois do meio-dia Crisosta viu que já estava na hora de ir resolver outras coisas. Se tudo tivesse saído na conformidade, então estaria com a sobrevivência garantida por uns tempos, ainda que a seca tivesse continuidade. Do contrário... Mas não queria nem pensar nisso agora.
Era preciso, pois, ir saber se o homem havia conseguido vender suas vaquinhas ou não. Estava um sol de lascar, tempo calorento demais, parecendo que tudo ia pegar fogo a qualquer momento. Mas a necessidade servia de guarda-sol.
Não podia ser diferente. Então pegou a estrada assim mesmo, no ensolaramento de faiscar. E novamente sozinha por aqueles ermos esturricados. Moça bonita e sozinha na estrada é perigoso demais. Corre-se até o risco da pedra se apaixonar.
Não tinha medo de andar sozinha, não temia as curvas da estrada, os estranhos que pudessem aparecer, nada. Só temia mesmo bater à porteira e avistar o gadinho ali por perto porque o homem não havia conseguido fazer o negócio.
Mas o pensamento não se voltava apenas a isso não. Ia muito mais adiante. Caminhava e olhava mais adiante da beira da estrada. Se avistava uma árvore maior e que pudesse fazer sombra, lá ia ela passar o olho ao redor. E tudo pra ver se encontrava algum sinal do desaparecido, do seu amiguinho caçador.
Nesse passo entrecortado de ânsia e preocupação, compassado pela esperança e pela agonia, enfim se aproximou da pequena propriedade do homem. Apressou o passo, tentou correr, caiu, levantou e ao erguer os olhos avistou uma coisa que quase lhe faz desabar.
Dentro do cercado do homem, um pouco mais afastada, conseguiu divisar uma vaca magra que não duvidava fazer parte do seu pequeno rebanho. Se ela estava ali era porque o homem não havia conseguido vender. E agora?
Encheu-se de medo, preocupação, descontentamento, repentina tristeza. O corpo tremeu, os olhos arderam, embranqueceu e avermelhou a pele. Não podia acreditar no que via. Ali estava um nada feito, uma desesperança, uma agonia maior que continuaria persistindo.
Com as pernas trêmulas se aproximou uma pouco mais, procurou respirar bem fundo e depois catou lá dentro da alma a força suficiente para gritar. Era grito dizendo “oi de casa”, anunciando que visitante estava do lado de fora da cancela.
Não precisou gritar pela terceira vez e o homem surgiu na porta. Acenou dizendo que esperasse um pouquinho que já estava indo receber a mocinha. Dois minutos e uma eternidade, um tempo que não passava, uma vontade louca de sair correndo e perguntar por que não havia conseguido fazer o negócio.
Desacreditando em tudo, quase não enxergava mais nada. Quando se deu conta ele já estava abrindo a porteira. Entre moça, deve estar cansada, logo se vê na feição. Não só cansada como apavorada também, parecendo até que encontrou com bicho ruim na estrada. Disse ele.
Mas antes mesmo de colocar o pé do lado de dentro, ela não suportou mais e perguntou o que tinha acontecido pra ele não ter encontrado comprador pra seus animais. Mais eu vendi tudinho moça, e até por preço melhor do que podia esperar num tempo desgraçado como esse. Vendi tudinho, graças ao meu bom Deus, e também mais ligeiro do que esperava. Respondeu o homem com voz firme.
“Me desculpe, moço, mas acho que deve estar havendo algum engano. Se o senhor tivesse mesmo feito o negócio aquela vaquinha não estaria ali, pois conheço muito bem o gadinho que meu pai deixou e eu vim aqui tangendo por essa estrada”. Falou Crisosta, ao que ele disse em seguida:
“É verdade, aquela vaquinha mesmo fazia parte daquelas que a mocinha me pediu pra vender. Mas a mocinha deve lembrar também que ficou acertado que se eu conseguisse arrumar comprador e receber a quantia, então uma parte desse valor ficava pra mim. Então, depois de pensar e fazer conta na cabeça decidi deixar essa fora da venda. E isso porque o que eu ia receber de sua mão dá no mesmo valor dessa vaquinha. Agora entendeu?”
Então Crisosta, mais aliviada, sorriu levemente e pediu desculpas. E mais confortada ainda quando o homem contou o dinheiro na sua frente e em seguida colocou em sua mão. Papel, apenas papel, mas que era infinita riqueza naquele momento.
Continua...
Poeta e cronista
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