ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (24)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (24)

Rangel Alves da Costa*

A cada passo que dava e o pensamento voltado para o menino. Se ele havia fugido de casa não devia estar muito longe. Certamente estaria por perto, porém o suficientemente escondido para não ser encontrado.

Embrenhado no mato ao menos por enquanto. Até ter a certeza de que sua família já não estava no seu encalço e já havia partido pra terra da boa esperança. Qualquer terra trazia maior esperança do que aquela daquele jeito.

Mas será que a família, resumida no pai e na mãe, teria coragem de partir e deixá-lo ali? Ou será que adiaria a viagem até que o fujão fosse encontrado? Só poderia responder depois, assim que alguém confirmasse a viagem ou não.

Dali a dois dias voltaria para saber se alguma coisa havia sido conseguida. Seria o momento de se informar melhor sobre a situação do seu amiguinho caçador. Se o dinheiro já estivesse em mãos do vendedor então teria de ir à cidade fazer compra de mantimentos.

Mas pensava em fazer diferente, pois não tinha nenhum interesse nem vontade de ir até lá, caminhar pelas ruas, encontrar pessoas desconhecidas, amargar instantes naquele cotidiano insuportável. Gostava mesmo do mato, de onde morava, de sua casinha, de sua solidão de agora, do silêncio cantante em tudo.

Chegou casa cansada. Catou água pra se lavar e se reconfortou. Às vezes a ilusão do banho molha mais do que corredeira. E depois a lavanda, o espelho, o vestido de chita, e como gostava de se olhar e se sentir bonita no espelho...

E era realmente bela. A beleza da simplicidade e da candura, a simpatia das coisas sublimes e meigas, a formosura da flor na sua melhor estação, a graciosidade inocente de quem parece ter nascido para fazer parte da natureza.

Depois o preá, um pouco de farinha, uma xícara de café. Saciada a fome com tão pouco, armou sua rede na sala, levou consigo a Bíblia e deitou. Abriu o livro sagrado numa página qualquer e ali fixou o olhar no capítulo 6 do Evangelho de Mateus:

“25. Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais que as vestes? 26. Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas? 27. Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? 28. E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. 29. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. 30. Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? 31. Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? 32. São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. 33. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. 34. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado”.

Sonolenta, porém se perguntando se havia entendido bem aquelas palavras. Ficou imaginando que ali estava escrito que para viver bem e ter o que necessita, basta que o ser humano creia em Deus e aja segundo os seus ensinamentos, pois a partir disso tudo lhe será concedido.

Não sabia se era isso mesmo, mas achou bonito o seu pensamento. E buscando a si mesma como exemplo, talvez aquelas palavras também dissessem que podia ser uma mulher feliz com a simplicidade no vestir, a virtude no ser e o comedimento no vestir. Ela era assim, tão humilde e tão mulher. Só faltava encontrar um pouco mais de felicidade.

E adormeceu. E dormiu profundamente. Nessa viagem o sonho ou a visita de alguém dizendo que o seu amiguinho poderia estar em perigo. Levantou assustada e decidida a sair procurando o menino naquele mesmo instante.

Correu para a porta, olhou adiante e avistou o entardecer já se fechando. Logo chegaria a noite e seria arriscado demais entrar no mato ou seguir por estradas e veredas em plena escuridão.

Tinha de esperar a manhã seguinte.

Continua...

Poeta e cronista

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