ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (21)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (21)
Rangel Alves da Costa*
Em conversas ao entardecer na malhada, sempre ouvia o seu pai dizer que era preciso ter muito cuidado com cobra. Além de perigosa, toda ela era ardilosa e traiçoeira. Possuía artimanhas que poucos conheciam; agia premeditada e silenciosamente. Eis o maior perigo.
No seu proceder ardiloso, podia passar dias e meses entocada na beira da estrada, debaixo de pedra de vereda, esperando pacientemente que o calcanhar escolhido passasse. Sabia escolher suas vítimas e triste daquele que estivesse marcado para morrer envenenado.
Conhecia o hábito de cada um, o caminho que fazia, a hora que passava, se estava de calcanhar descoberto ou não. A altura da bota, tudo. Sentia o cheiro, ouvia o passo, pelo ar já ficava sabendo da aproximação de seu escolhido.
Num repente, e o bote dado. Fisgada fininha, apenas duas pontadas. A dor, o esmorecimento pelo corpo, o peso nos olhos, o entorpecimento, a morte. A morte certa, pois somente por milagre o povo do mato consegue salvação depois de uma mordida de uma serpente peçonhenta.
Contudo, isso não era o mais incrível que havia ouvido o seu pai dizer, mas sim sobre o que podia acontecer a partir daí, quando a morte era confirmada. E confirmada porque a cobra seguia os passos da vítima para saber se havia conseguido o seu objetivo maior ou não.
Se a pessoa corresse pra casa ela certamente ficaria por perto, se caísse logo adiante e morresse quem primeiro ia velar o corpo era ela, a própria assassina. Assim aconteceu depois com o próprio pai da mocinha.
Mas um fato narrado por ele quando vivo mostra bem a astúcia perigosa que envolve ainda a rastejante. Segundo contou, o mais inacreditável ocorria depois que o corpo fosse enterrado, pois a cobra assassina passava a botar luto e assim ficava durante muito tempo.
Mas não era um luto que significasse mudar a pele do rajado para o negro e assim continuar até quando passasse sua dor. Isso mesmo, uma falsa dor. E o luto consistia em fazer surgir ao longo do corpo, já próximo ao rabo, uma estreita faixa de pele preta que a envolvia em anel.
Crisosta lembrava exatamente desse detalhe enquanto seguia raivosa para o pasto onde a cascavel havia mordido seu pai. Se era verdade o que ele havia dito, então ela continuava por lá e botando luto, estando marcada com aquele anel preto perto da cauda, um pouco antes do seu chocalho de guizos.
Seguida pelo cachorro, carregava à mão um pedaço de pau. Não queria que o cachorro a seguisse não, tinha medo que fosse mordido e o carinhoso presente do amiguinho caçador morresse. Certamente ele voltaria um dia e teria o prazer de devolver seu animal ajudante de caça.
Passou por debaixo de alguns fios de arame e logo avistou o reduzido rebanho pastando adiante. Coisa pouquinha, quase nada, apenas umas vaquinhas que restavam e naquele mesmo dia seriam vendidas. Precisava fazer isso pra não acontecer o pior, nem com elas nem com sua própria sobrevivência.
Caminhou um pouco mais e inesperadamente se deparou com uma vaquinha magra estirada ao chão. Mexeu no corpo e não conseguiu resposta. Estava morta. Logo pensou ter sido mais uma vítima da seca inclemente. Mas não, pois havia sido vítima da cobra, que por sinal estava ali por perto.
Entristecida com mais aquela perda, porém sem saber os motivos da morte, lançou o olhar sobre os tufos de mato e as pedras que eram muitas ali. Em seguida saiu batendo com pau em cada tufo, espalhando garrancho e folha seca pra ver se encontrava alguma coisa.
Ficou mais de uma hora mexendo e remexendo em moita nas proximidades de onde seu pai havia sido encontrado. Não encontrou nada, mas sabia que ela estava pertinho, escondida em algum lugar. E só poderia ser por debaixo das pedras, nas locas, nos esconderijos.
Mas pedra era muito difícil de mexer com o pau. Por isso mesmo seguia em direção a cada uma, batia por cima, mexia com a ponta do pau por baixo, esperando sempre um pouco para ver se surgia algum sinal.
Até que chegou diante de uma pedra maior, lajedo mediano, cuja formação permitia a ocorrência de várias fendas. Em qualquer uma delas cabia muito bem uma cobra. E aproximou o olhar numa daquelas entradas e deu um pulo pra trás, assustada.
Continua...
Poeta e cronista
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