ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (12)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (12)

Rangel Alves da Costa*

A mãe da mocinha minguava a olhos vistos. Estava cada vez mais magra, mais raquítica, mais ossuda. Sua face não tinha mais nenhum brilho, os olhos afundavam, já nem caminhava como antes.

Se o alimento ali já era quase nenhum, pra ela era suficiente demais, pois só comia alguma coisa à força, com a filha insistindo para que colocasse algum alimento na boca. Daí que era providenciado um mingau de farinha d’água e insistentemente colocado nas entranhas da boca magricela.

Não se sabia de onde brotava, mas a verdade é que não faltavam as lágrimas. Rios e enxurradas correndo o dia inteiro, num pranteamento ainda maior a cada dia que passava. Não só o choro como os resmungos, as palavras raivosas pronunciadas.

Crisosta se colocava na beirada da porta do quarto e a ouvia esbravejando com a sorte da vida, esculhambando com os santos, dizendo que levaram seu marido porque não prestavam, não valiam nada.

Numa manhã que entrou no quarto levando o mingau, encontrou imagens de santos espalhadas pelo chão, sem cabeça, despedaçados. E sua mãe sorridente em cima da cama, com os olhos parecendo faiscantes, com semblante numa estranheza danada. Teria enlouquecido?

Depois fechou a cara, murchou o rosto e nem olhou mais pra filha. Não falava uma palavra sequer, não murmurava nem conversava sozinha. Passou então a continuamente arrumar e desarrumar a mala, atitude que começava cedinho e alcançava a noite.

Não saía mais do quarto, se resumindo em arrumar e desarrumar sua maleta. Mas um dia abriu a boca e falou. E disse que já que sua filha mais velha havia também morrido e o seu filho homem não voltaria mais ali, então iria também viajar.

Crisosta entrou em desespero. Pediu que a mãe deixasse de mau agouro, mas ela abriu a boca novamente pra dizer que a filha havia aparecido a ela já vestida de defunta e dizendo que tinha de ir logo embora porque seu filhinho estava chorando.

A mocinha saiu do quarto correndo e se danou porta afora. A mãe estava realmente louca, não sabia o que dizia e por isso mesmo falava tanta besteira. Mas se fosse verdade aquilo que ela dizia, que a sua irmã havia morrido e aparecido ali pra se despedir? E por que aquela história de menino chorando e esperando por ela?

Estava recostada num pé de pau quando ouviu alguém aparecer montado num cavalo. Era o homem que entregava correspondência e que talvez só aparecesse ali uma vez no ano, quando muito. Cumprimentou, tirou da bolsa um envelope e entregou. Nem desceu do animal e seguiu adiante, dizendo estar apressado.

O envelope estava endereçado à sua mãe. Olhou quem havia mandado a carta, quem era o remetente, e viu escrito o nome do esposo de sua irmã. E por que o nome dela, de minha irmã, se indagou aflita, tremendo. Será que tem alguma coisa a ver com aquela conversa de morte?

Tinha. Em poucas linhas, trêmulas, talvez chorosas, a carta dizia que sua irmã havia morrido de parto. Os dois haviam morrido, a mãe e o filho.

Com a notícia e o pior confirmado, Crisosta, completamente fora de si, ergueu as mãos para o alto e bradou com todas as forças que possuía: “Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.

Em seguida jogou-se no chão e agonizou por longo tempo. Chorou, arrancou tufos de terra com os dedos, esmurrou o chão, soltou gritos de dor e aflição. Depois de levantar, ainda chorosa e lamentando tanto infortúnio, rasgou a carta e jogou os restos pelo ar.

Sua mãe já sabia daquela notícia. Não diria mais nada, achava melhor assim. E entrou em casa para se deparar com outra terrível situação.

Continua...

Poeta e cronista

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